sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Sorrir (Guilherme Reginato)

Jeito humilde, boina virada para trás, alegria contagiante em suas expressões, sorriso envergonhado; estava o homem, sentado em seu “case”, com a barba feita e seu violão em punho. A cada nota tocada, fazia com que as pessoas, que passavam à sua volta, liberassem um sentimento, pessoas as quais fazem de suas vidas algo limitado, sob ordens, rotina, compromissos, pessoas apressadas, assustadas, e o homem ali, tocando seu violão, em meio à praça Tiradentes. O homem, que aparentava ser mendigo, parecia ser uma pessoa cheia de caráter e carisma; tocando Raul em meio à sua lucidez, veio uma corrente de ar, e sua boina foi ao chão. Não se abalou, cantou mais alto; ao fim da ventania, uma lágrima escorreu, uma das pessoas que por ali passava lhe ofertou dois contos de réis.


Duas menininhas, ambas de chinelo de dedo, cabelo bagunçado, uma de short e outra com uma calça curta, ambas vestindo camisetas de manda longa, chegaram ao homem e, no meio de um forte abraço, o homem sorriu; vendo esta cena, a senhora que estava sentada no banco da praça se aproximou, tirou de sua jaqueta duas moedas e as colocou dentro da boina que ao chão estava e, sem querer, ouviu uma das crianças falar: - Pai, estou com fome. A senhora, em seu ato de comoção, lhes ofereceu um doce de amendoim e, distanciando, desapareceu em meio à população.

O homem, que por mais um dia estava buscando seguir sua rotina, cumprir com suas obrigações de pai, em seu expediente, por hora, colocou um fim. Arrumou seu violão no “case”, juntou sua boina e a colocou em sua cabeça; deu um beijo na testa de cada uma das suas filhas e, em gesto de proteção, as abraçou; colocou seu violão nas costas, pegou uma de suas filhas em seu braço direito; a outra, apanhou-a pela mão. Vidas dependendo de outras vidas.

Um comentário:

  1. "Sorrir" me pegou pensando se o personagem descrito, dada a própria localização geográfica, não seria o Plá, tradicional poeta e músico curitibano. Mas, quer saber? Nem importa. Poderia ser, como também poderiam ser inúmeros outros artistas da fome que tentam sobreviver dignamente nas nossas ruas. Um belo olhar, o do Guilherme.

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