sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Um grito de silêncio (Débora Thaise Collet Pereira)

Nada mais se pôde ouvir, foi o último som, um pedido de socorro, uma ação de puro desespero, um ato quase que sem pensar, uma reação forte e, ao mesmo tempo, desesperada; um grito que ecoa até hoje em meus pensamentos, mais agudo do que se pode imaginar, um pedido de socorro tão forte que todos puderam ouvir, mas ao qual ninguém quis dar amparo.

Por medo ou por constrangimento, não se sabe bem ao certo, todos ouviram, sabiam bem o que aquele som representava, sentiram um apelo desesperado suplicando por ajuda, mas mesmo assim quiseram sufocar a voz, transformando o grito em um pranto tão baixinho que foi ficando longe e distante até se tornar um sussurro tão tímido que não mais se ouvia.

Afastaram o grito; continuavam ali, todos no mesmo caminho, aguardando ansiosos para que a próxima parada fosse a sua, pois assim estariam bem longe da sensação de desconforto, e retomariam suas vidas ignorando os fatos. Agora estavam mais afastados da vitima, que se continha em prantos tímodos que mal se podiam ouvir se contentara em sussurrar. Afinal, ninguém quis ajudar. Sentou-se e calou-se novamente para não mais incomodar, como se ela tivesse culpa do que aconteceu. Logo passou de pessoa comum a vilã, por atrapalhar o sossego dos que se preocupavam com suas próprias vidas e pertences.

E para não ser injusta, admito que alguns poucos até queriam ajudar, mas era melhor se afastar, pois se sentiam desconfortáveis com tudo aquilo, queriam mesmo era fazer seus percursos rotineiros, e aquele grito desesperado lançado os moveu pelo medo. Ainda assim, reprimiram o desejo de ajudar e deram de ombros para não mais se incomodar.

E a moça permaneceu ali, em prantos, suplicando por ajuda, mas ninguém quis ajudar. Seus pertences, de onde veio, onde nasceu, seus pais quem eram, onde morava, um pouco de sua história partiu junto com a bolsa que brutalmente lhe arrancaram. Gritou porque se sentiu desesperada, precisava de ajuda, mas levados pelas regras morais, pela ética e bom senso, ninguém correu atrás de bandidos, ninguém demonstrou estar inconformado, muito pelo contrário: se mostraram bem habituados com esse tipo de situação, e tiraram de letra. Olharam de canto e logo se voltaram para sua leitura, sua música, ou só olhavam pela janela como se nada tivesse acontecido. Logo a fizeram se calar, condenaram a vitima por atrapalhar a paz do ônibus, e a mocinha se tornou o bandido. Poderia até ser presa por gritar tão alto e atrapalhar aquelas pessoas.

Parece absurdo, mas não o é para aqueles que folheiam as páginas dos jornais com total naturalidade, ler sobre mortes, assaltos, roubos, jovens sem ideal algum que roubam, matam por matar, mas para o bem de todos o natural é se acostumar, se proteger como se pode, torcer para que nada nos aconteça e, se nada nos afetar, tudo bem. Afinal, atrever-se a se preocupar e questionar esse mundo onde bandidos acabam vistos como vítimas do sistema que merecem respeito e proteção, ainda que derrubem helicópteros e causem mais prejuízos e incômodos do que se pode esperar.

As cadeias já estão lotadas, mesmo, as autoridades nada podem fazer, as olimpíadas estão chegando e infelizmente mais um preso só aumenta estatística, e nada contribui para o nosso país. Bom mesmo é fazer uma prece, torcer para não sermos atingidos e, se algo acontecer, é bom só lamentar, pois já se sabe que, se gritarmos ninguém, vai nos ajudar!

Sem título (Robson Dalazen Ignácio)

Sábado à tarde não havia o que fazer na cidade de Curitiba, o calor que havia dominado a cidade na semana anterior não era mais o mesmo, enfim a capital voltaria a ser como realmente é. Nem as pinturas pós-modernas do viaduto, nem o mural de Poty Lazarotto, nem a bandeira do Brasil que ali no alto dançava com suas cores vibrantes conseguia esconder as raízes cinzentas da capital. Aquelas nuvens sem vida, um vento frio e um mormaço quente, o clima e a ressaca que não me deixavam pensar em outra coisa senão beber algo bem gelado, me levaram ao pequeno ônibus azul claro, da cor daquelas nuvens que no céu já não estavam mais, onde se vendia caldo de cana.

O casal enrugado que ali trabalhava desde 1972 estava bem humorado, talvez por conta do vento que assustou as abelhas que sempre dificultam o trabalho do Sr. Renato. O “chorinho” foi maior que o comum e o sorriso de agradecimento de sua esposa, que estava no caixa, nunca fora tão sincero. Curitibano que sou, até me esqueci de comentar da companhia; estava com mais dois amigos, um futuro engenheiro e uma psicóloga. Todos os três apaixonados por cinema, não podíamos deixar o assunto de lado. Enquanto a gente não via, mas sabia que o sol se abaixava atrás das nuvens escuras ,discutíamos a sétima arte: eu defendia a nouvelle vague com todas as minhas forças enquanto os dois acreditavam firmemente que meu movimento predileto não chegava aos pés do expressionismo alemão.

Papo vai, papo vem e, assim como Vinícius de Moraes acreditava que o uísque é o melhor amigo do homem, o cachorro engarrafado, eu acredito na companhia relaxante de um cigarro, meu companheiro para todas as horas, que não discorda do meu gosto sobre cinema e, pelo contrário, concorda com tudo. Quando coloquei a mão no bolso para sacar o maço de cigarros, ele não estava lá. Lembrei-me de que não tinha mais e havia esquecido de comprar no caminho. Pedi aos meus colegas, mas um largou o vício e a outra estava na mesma situação que eu. Olhei para baixo e vi um morador de rua em cima de caixas de papelão, lendo o jornal de duas semanas atrás - o mesmo que usava como coberta nas noites mais curitibanas. Ele podia estar vivendo na rua, mas o vinho e os cigarros não lhe faltavam à mão. Sem pensar duas vezes, me dirigi para perto dele e pedi um. Confesso que a marca não era das melhores, acho que era pedir demais ao moço, mas ele me deu o cigarro e eu o agradeci pela gentileza. Quando o cigarro acabou, as luzes da cidade já brilhavam e eu precisava ir para casa me arrumar. A discussão sobre cinema não teve vencedores, o ônibus cor de céu se havia ido, já estava refrescado com o caldo de cana e pronto para outra, na companhia dessa vez dos caninos engarrafados de Vinicius. Afinal, era uma noite tipicamente curitibana e eu precisava me esquentar.

Corrigir já é um bom começo (Dayane Oliveira Vaz dos Santos)

Inevitável prestar atenção nas conversas e fatos que se desenrolam todos os dias no meu serviço. Inevitável também parar pra pensar qual o raciocínio que leva um pai a agir deste jeito.

O senhor se deparava com a filha menor de idade que acabava de tentar cometer um furto, sendo barrada pelos seguranças da loja. No entanto, o pai agia com certa indiferença, e não aparentava nenhum constrangimento com a atitude da filha: “ô, meu amor, porque você fez isso?” perguntava ele.

A garota, de cabeça baixa, apenas fixava o chão. Tem apenas 14 anos, e já nessa situação. O pai, que acontecia na sala, apenas balbuciava palavras à filha e se incomodava com certas perguntas que eram feitas à garota.

Mais tarde, indignado com a situação, meu supervisor foi pedir satisfações ao pai, que sequer via a filha como uma delinqüente. Ouvi quando ele falou que faria de tudo para proteger a filha. “Eu sei que ela não fez por mal. Apenas queria roupas novas, não é tão grave assim”.

Ora, ora, o pai discutia com o supervisor como se a filha estivesse fazendo apenas mais uma comprinha rotineira na loja e não cometendo um crime, parecia um incentivo à atitude da filha. Consigo até entender por que a garota, com apenas 14 anos, é uma ladra. Não me espantaria também se algum dia chegasse a noticia de que a garota estaria presa ou até mesmo morta. Afinal, a correção é uma das principais armas para acertar aquilo que esta errado.

Imagina se um dia a garota de 14 anos comete um crime maior e, na hora de levar uma bronca do pai, diz: ”Mas o senhor nunca ligou pra isso”. O que ele poderá fazer para consertar o erro de não corrigir antes? Como explicar que ele achava que antes seus “crimes” eram considerados “nada” perto dos de agora?

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Dia de jogo (Thiago Luiz Candido Pereira)

O dia mais esperado da semana, quando para os torcedores mais viciados tudo demora pra passar, e não conseguem pensar em outra coisa, a não ser o jogo. Dias antes, amigos já marcam o horário em que vão para o estádio.

Chegada a hora, dia de sol, com um jeito diferente de qualquer outro domingo. Jogo às 16h, então saem às 13h; muitas vezes sem almoçar, só para chegar mais cedo ao estádio. Indo de carro ou de ônibus, não interessa, o importante é estar lá. A algumas quadras do estádio, é possível sentir outra vibração: todos com o pensamento em uma só coisa, a vitória do time. Famílias, amigos, casais, pessoas sozinhas tomando uma água, refrigerante ou uma cerveja, comendo um espetinho na esquina. Nesse clima descontraído, o pessoal vai chegando e se preparando pra entrar.

A entrada no estádio é um dos momentos mais emocionantes, quando você entra e o vê lotado, torcedores cantando, conversando, alguns com o rádio no ouvido, e lá vai você procurando um lugar bom para assistir ao jogo. Afinal, serão 90 minutos em que você estará ali, muitas vezes apertado; mas isso é superado quando o jogo começa e todos ficam prestando atenção, sem piscar, sem perder qualquer lance da partida. Ao sair o gol, todo mundo comemora, abraça gente que muitas vezes nem conhece, grita, alguns até aproveitam para tirar o estresse do corpo.

O juiz apita final de jogo; hora de comemorar a vitória com os amigos, ali mesmo no estádio, na rua, no bar, ou até mesmo indo pra casa, sempre respeitando o adversário. Esse é um típico jogo de domingo.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

O carro que não comprei (Elaine Soares Bonfim)

Voltando para casa depois de um cansativo dia de trabalho, recebo uma ligação. Era uma amiga que não via há muito tempo, e como estava passando pela Marechal e sabia que ela trabalhava por ali, combinamos tomar um Chopp para colocarmos o assunto em dia.

Dirigi-me ao local combinado para esperá-la, na Praça Tiradentes, em frente à catedral. Já estava lá havia uns 15 minutos e nada, quando de repente se aproxima de mim um carro. Era um gol 90 na cor amarela; ele foi estacionando bem ao meu lado. Do carro desceu um rapaz de aproximadamente 30 anos, bem vestido, que se apresentou como André e estava acompanhado de uma moça muito simpática que, lá de dentro do carro, me cumprimentou com um sorriso.

Não sei o que passou pela minha cabeça, mas acreditei que ele iria me pedir uma informação. Foi quando tive uma surpresa: André me convidou para ver seu carro. Como minha amiga ainda não tinha chegado, não vi problema.

Abriu a porta do carro e me deixou muito confortável:


- Pode entrar no carro, fique à vontade!

Enquanto olhava o painel do carro, ele me falava várias qualidades do mesmo. Sua mulher, que continuava no carro, ainda sorria para mim. André me convidou para ver o motor do carro. Sem entender muita coisa, não quis contrariá-lo; fomos para a frente do carro dar uma olhada no motor. Foi nesse momento que ouvi a voz da minha amiga me chamando. Olhei para trás e a avistei; me despedi do simpático casal que acabara de conhecer, quando André me disse:

- Como assim, Fabiano? Você me ligou hoje pela manhã para ver o carro, não vamos fazer negócio?


- Não, não me chamo Fabiano. Só estava aguardando minha amiga para tomarmos um chopp, mas foi um prazer conhecê-los. Tchau!

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Desejo (Fabíola Vaz)

O sujeito era cabeludo, barba por fazer, meio hippie, moreno claro, alto, magro, do tipo que ouve um som mais pesado que um botijão de gás. Calçava um tênis sujo, camiseta da banda Iron Maiden e um jeans batido. Encostado no balcão do único bar ainda aberto naquela madrugada de terça-feira, quase 4 horas da manhã, ele observava o movimento.

Acordo assustada com um sonho que tive, acendo o abajur, levanto, sinto o chão frio, calço os chinelos, dou alguns passos até a sala de estar, preciso de água com açúcar. Não! Preciso de uma dose de uísque. Verifico a estante e vejo que a garrafa está vazia. O desejo e a necessidade da bebida aumentam, entro no primeiro jeans que encontro, visto um moletom, pego as chaves do carro, desço as escadas lentamente e saio em busca dele, o uísque, aquele que me fará dormir e esquecer do sonho que tive.

Há um único bar aberto; entro e logo o vejo encostado no balcão. Pega o copo, leva-o à boca e bebe devagar; tira uns fios de cabelo que insistem em cair nos olhos, estes fixos, movimentos lentos, pensamento longe.

Sento próximo, a poucos metros dele, peço meu uísque, tomo lentamente enquanto o observo. Seu olhar se encontra com o meu. Ficamos assim, não consigo disfarçar; ele se levanta, com passos lentos vem ao meu encontro, me olha nos olhos, aproxima-se, respiração ofegante; fico imóvel, esperando a próxima ação daquele maluco, um maluco que me deixa sem reação, me puxa pela nuca, aproximando nossos lábios...

Ouço um sinal: meu celular mais uma vez desperta sem estar programado. Acordo ofegante, acendo o abajur, levanto-me, sinto o frio do chão, me visto, e saio em busca do uísque que me fará dormir e esquecer...

O primeiro velório (Rafael Delenski Giublin)


A semana que passou foi de luto para minha família. Dia 29 de Outubro, meu primo de segundo grau, João, morreu após ter sido atropelado algum tempo depois do fim do último Atletiba. Crime de trânsito ou violência no esporte, assassinato ou acidente, pouco importa. Depois que passamos pela perda, temos claro que nada trará o ente querido de volta.

Mas o que realmente não trará a pessoa de volta é o velório. Nunca tinha ido a tal evento, mas já tinha posicionamento totalmente contrário, considerando-o uma tortura para os familiares e pessoas realmente próximas do falecido e uma agressão até ao próprio defunto. Minha opinião se acentuou ainda mais conhecendo pessoalmente esse martírio.

Logo ao chegar, me deparo com um ex-colega e melhor amigo do João se esvaindo em lágrimas do lado de fora da funerária. Também do lado de fora, encontro a mãe da vítima, conformada, porém acabada. A ausência nela era clara. Entrando no hall vejo o pai do falecido, totalmente inconformado e em lágrimas, sem nenhuma condição de estar lá, recebendo os “pêsames” (seja lá o que essa palavra significa) dos conhecidos.

E o pior ainda estava por vir. Na próxima sala é onde está o caixão. Aberto, com meu primo, jovem de apenas 21 anos, inchado e deformado. Ao entrar ali, a primeira coisa que senti foi o grande vazio em seu corpo. Era como um boneco inanimado. Essa imagem nunca vai sair das minhas lembranças. Também me veio à cabeça aquele desenho de um menino morto em exposição na estação de trem de Paris, imagem do século XVIII ou XIX, não me recordo ao certo. Um verdadeiro show de horrores.

É comprovado que o luto é importante na perda de um ente querido, que sem ele não se supera a perda, mas o velório ultrapassa esse limite, e vai além da homenagem ao morto. Se existe vida após a morte, garanto que o velório não ajuda o espírito a encontrar a paz.

Sempre que converso com minha mãe sobre isso, ela cita o velório de sua avó, com a qual era muito apegada. Ainda viva, minha bisavó falava que queria que contassem piadas em seu velório e que todos rissem. E foi isso que minha mãe e suas primas fizeram, intercalando as piadas com o sofrimento, mas encarando a morte de uma maneira diferente. A melhor homenagem póstuma que se pode fazer é celebrar o que a pessoa viveu.

A última gota (Thiago Moraes Costa)

E a última gota de suor daquela sexta-feira escorreu de sua testa e logo foi secada pela mão com as unhas todas roídas.

Ana levantou-se do banco da praça e, apesar de desiludida com mais um dia esperando em vão, dirigiu-se para sua casa já planejando repetir a espera no dia seguinte.

Alguns quilômetros distante, Miguel descarregava o último engradado de cerveja em um bar. Dali, levaria o caminhão até a distribuidora de bebidas na qual trabalhava e de lá pegaria seu ônibus, provavelmente lotado, e chegaria em casa onde sua mãe, viúva, com quem ele dividia o pequeno apartamento, o aguardava com dois pedaços de pão e um copo de guaraná.

Há 4 anos, Miguel voltava de um aniversário quando foi atingido violentamente por um carro em alta velocidade. Sua paixão na época atendia pelo nome de Ana, que passava 4 dias por semana na capital a trabalho. Ela, que era casada com Alexandre, havia viajado no dia anterior para Londrina, onde vivia com o marido. Havia prometido a Miguel que pediria o divórcio e voltaria para ficar definitivamente com ele.

Por questões de segurança, um nunca passou seu endereço ao outro. Sempre se encontravam naquela mesma praça e se dirigiam a um motel barato e afastado, onde perdiam a noção do tempo, com seus corpos entrelaçados.

O futuro novo casal havia combinado se encontrar, um dia após o acidente que deixou Miguel na UTI por 3 meses, no banco da praça onde se conheceram. Naquela tarde, Ana não viu Miguel chegar. E ficou esperando.

Miguel recuperou-se sem seqüelas do acidente. Religioso que era, entendeu, contudo, que o atropelamento fora algum tipo de castigo divino por ter se envolvido com uma mulher casada. Foi aí que decidiu não procurá-la mais.

Ana, há 4 anos, vai todos os dias, por volta das 4 da tarde, até a mesma praça e espera... Espera. Senta naquele banco na esperança de que seu amor sumido apareça.

Hoje em dia, Miguel é casado com Lucinda, com quem tem 2 filhos. O mais velho se chama Jonas e tem 2 anos e meio. A mais nova, tem apenas 3 meses de idade e, curiosamente (ou não!), se chama Ana.

Ontem, quando mais uma vez ia embora da praça, Ana avistou Miguel, sorridente, ao lado da esposa e dos dois filhos.

Após 4 anos de angústia, sem saber o que havia acontecido a Miguel, ela finalmente o encontrara.

Hoje é um dia diferente para ela. Ela está esperando Miguel; 4:45 da tarde, sendo velada na Capela Nossa Senhora de Fátima... Preferia não ter sabido.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Saudades (Jéssica Cordeiro Déa)

Um dia acordei com uma grande tristeza em meu coração. Percebi que havia algo errado... perdi um pedaço de minha vida... Minha avó...

Desde então, meu sofrimento tem sido gerado pela saudade, que me perturba a todo instante, vindo ao meu coração como um castigo... Tento caminhar pela estrada da vida, onde sei que o caminho me indica objetivos e aprendo com momentos bons e ruins que ela oferece... a saudades é uma desses momentos ruins...

Quando meu coração começa apertar, a emoção me abala, é difícil controlar, mas sei que é necessário continuar... A vida não vai parar por chorar, refletir, sofrer e chorar cada vez mais...

A eterna saudade que sinto permanece nas minhas lembranças, que levarei minuto por minuto na minha mente, sempre. O adeus me machuca todos os dias em que me lembro dela... E a minha saudade é uma eternidade .

A volta (Hendrigor Eron Goch)


A espera é pequena, mas a ansiedade é grande. Um alívio ao avistá-lo; espero, embarco, acomodo-me.

Por um momento, pego-me em pensamentos distantes da realidade, olhando por entre as janelas tentando alcançar o ponto mais longínquo possível, assim como estou das pessoas a minha volta.

Volto à realidade e começo a fitar as pessoas uma a uma, com muita atenção, e me perguntando: será que todos compartilham dos mesmos sentimentos que eu? Cansaço, ansiedade, solidão, por mais momentâneos que sejam, sentimentos que me absorvem em pensamentos e agonia.

Prestando bastante atenção a minha volta, vejo pessoas lendo, escutando música, alguns olhando para o nada e parecendo um tanto distantes, grupinhos conversando e aparentemente divertindo-se - provavelmente uma forma de fugir do estresse do dia.

Vendo todas as reações e expressões, concluo que todos estão se sentindo igualmente vazios, afastados e exaustos. Chego ao ponto final, desço do ônibus, olho para os lados, volto meu olhar ao céu e todos os sentimentos que me rodeavam deixam de existir, talvez somente por algumas horas, pois amanhã é outro dia e novamente estarei ali, refletindo e observando, mergulhando e vivendo neste carrossel de sentimentos.

Conto mal contado (Veridiane Lee Siqueira)


A mãe, toda empolgada, pega o livro de contos de fadas e vai até o quarto da filha de sete anos.

- Filhinha, já está na hora de dormir, a mamãe vai contar uma historinha para você. Era uma vez uma menininha chamada chapeuzinho vermelho...

- Chapeuzinho vermelho! Por que vermelho e não azul, verde ou amarelo, que está muito mais na moda? E, além disso, mamãe, ela nem usa chapéu.

- Tudo bem filha, pode ser da cor que você quiser.

- E tem outra coisa, mãe: essa historia de levar docinho para vovó não está certo. Veja a vovó Maria, tem diabetes, está com o colesterol lá em cima e precisa emagrecer.

- Acho melhor contar outra historinha, filha. Era uma vez três porquinhos...

- Pode parar! Pode parar! Essa história também tem lobo igual à da chapeuzinho. Ô, pessoal sem criatividade! Com essa crise, aposto que usaram o mesmo lobo.

-O quê? Bom, vamos para outra história, né, querida? Que tal Branca de Neve?

-Que Branca de neve o quê, mamãe? No Brasil nem neva. Mas eu já sei o que é isso: é coisa dos americanos, sempre dominando, tudo gira em torno deles, é impressionante.

- Meu Deus! Vamos para a próxima, vou contar a história da Bela Adormecida.

- Bela! Sei bela! Aposto que aquele cabelo é pura chapinha, ela fez lipo, e aquelas unhas são postiças.

- João e Maria! João e Maria! Dessa você gosta, né, filha?!

- Bom, aí você vai estar se contradizendo. Não é você quem vive dizendo para não comer muito doce? Essas crianças comem um monte de doces e ainda são enganadas por uma bruxa muito da fajuta; eu jamais seria enganada por uma bruxa dessas. Toma, mamãe, conta a história do Pinóquio; tem mais a ver, afinal, mentir, todo mundo mente. Mas ainda bem que o nariz não cresce; vocês, adultos, ficariam muito feios de nariz grande.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Tudo para a última hora... (Tássia Caroliny de Oliveira)

Estou no meu trabalho, sentada em frente ao computador, tentando escrever uma crônica que o professor pediu há uma semana atrás. Isso mesmo, no meu local de trabalho. Como de costume, deixo tudo para cima da hora...

Como se pode imaginar, não vem nada de tão produtivo à minha cabeça em meio a essa correria. Telefone que toca, interfone que toca, fulano que chama, enfim, sem condições de escrever.


Acho que encontrei alguma coisa para escrever. Quando vou começar, escuto:


- Por gentileza, você pode me ligar com fulano?

Outro vem e fala:

- Precisa pedir a água, você viu que acabou?

O interfone toca:

- Pronto?

- Correio!

Bom, acho que agora acalmou um pouco... As idéias estão voltando... Quando torno a escrever, começa tudo de novo.

- Faz isso pra mim! Preciso daquilo! Estou indo a tal lugar, volto às 16h...

Impossível mesmo! Minha cabeça já esta cheia e agora é que não desenvolve mesmo...
Para ajudar: festinha no fim do expediente, para comemorar os aniversários dos funcionários...

Já são17h30, quase hora de ir embora, e dá aquele desespero... Pelo jeito, fiquei só no “projeto de uma crônica”. Não era o esperado, mas foi o que saiu. Se quiser que alguma coisa saia bem feita e que as pessoas realmente gostem, não deixe para fazer em cima da hora!!! Se tiver tempo, faça antes e faça bem feito!!!

Posso sentar aqui? (Rosane Cadena)


Ela não parava de se remexer na cadeira, queria poder chegar logo em seu apartamento e descansar, mas ainda faltavam algumas cidades para que o trajeto fosse concluído. Já tinha escutado música, lido, olhado pela janela e, mesmo sem vontade de ir ao banheiro, levantou-se duas vezes para poder sair do lugar. Sua poltrona ficava no meio do ônibus e era um lugar bom. Assim poderia ter uma visão de todas as pessoas, já que era muito curiosa e gostava de observar.

O ônibus tinha parado, e estava em mais uma rodoviária esperando os passageiros entrarem para chegarem à capital. Olhando pela janela, um moço lá fora chama sua atenção. Usava boné, não era alto, nem muito baixo, cabelos castanhos claros, camiseta verde, calças jeans e tênis, pareceu um pouco atraente. De repente, ele olha pra ela, ela disfarça. Mas o ato de disfarçar normamelnte falha, porque quando queremos que as pessoas não percebam, aí sim elas percebem. Ela ficou um pouco sem graça e tentou disfarçar mais ainda.

Ele entra no ônibus e os dois se olham. Realmente ele é muito bonito, ela não tem dúvidas. Por coincidência existe uma poltrona livre ao seu lado e ela pensa : " Será que ele vai sentar-se aqui?". Ele passa ao seu lado e a olha, ela finge não estar percebendo. "Ufa, ainda bem que ele não vai sentar aqui". Ele se dirige ao fundo, e ela coloca o fone de ouvido para escutar pela décima vez as mesmas músicas. Deita para tentar dar um cochilo, mas alguém fala com ela:

- Oi, posso sentar aqui?

- É claro.

Ela fica meio sem graça ao ver que é aquele moço; senta -se corretamente e finge estar normal, jogando no celular. Ele se senta com modos, fecha os olhos e escuta música também. Mas uma coisa chama a atenção: ele usa apenas um fone no ouvido, e o outro está caído em seus ombros. "Será que ele está querendo ouvir a conversa das pessoas? Mas está de olhos fechados... Será que está dormindo? Por que escutar música com um fone só? Será que está disfarçando? Ou estaria assim para poder escutar o que eu vou falar? Não! Quem disse que vou falar com ele?”

Ele se deita um pouco e abre os olhos; ela finge estar olhando outra coisa, mas quer olhá-lo outra vez. Ele também disfarça, mas impossível não perceber sua curiosidade em querer saber quem está ao seu lado; então, mais uma vez os dois se fitam. Ficam em silêncio, retomam suas posições. De vez em quando, ela abre a cortina do ônibus, e ele olha pra fora, bem indiscretamente, e ela faz isso mais vezes só para poder confirmar que encontrou alguém curioso como ela.

Os dois não conversam, então chegam à próxima rodoviária. Ele também parece estar entediado, mesmo estando há menos tempo que ela no ônibus. O veículo fica parado quase vinte minutos, e esses dois passageiros estão perdendo a paciência. Então, ele puxa assunto.

- Tem muita gente pra entrar ainda?

- Não tem ninguém mais.

Ficam uns minutinhos quietos e logo surge mais uma pergunta:

- Você está há muito tempo no ônibus?

- Estou há cinco horas, já.

- Nossa! Como está aguentando? Eu já estou desesperado estando aqui há uma hora, só.

- Pois é, tenho que ter paciência.

- Você está indo a São Paulo?

- Sim, e você?

- Também; eu faço curso para piloto de avião. Você faz faculdade?

- Faço, estou no primeiro ano de engenharia civil.

- Nossa, que legal! Você tá gostando de morar lá?

- Estou me acostumando... fazendo amizades.

Eles iniciaram a conversa assim, mas depois já estavam falando sobre muitas coisas e foram descobrindo afinidades; se deram tão bem que trocaram telefones e e-mails para um possível encontro depois. Desceram do ônibus, se despediram e cada um entrou em um táxi pensando se realmente seria possível fazer uma amizade em uma viagem. As pessoas se encontram e conversam muitas vezes só para passar o tempo, sem querer algo mais, não valorizando as palavras e os gestos. Mas mesmo após dez anos, esses dois conversam e gostam de lembrar da sua história, e ficam mais felizes ainda em saber que valeu a pena sentarem-se um ao lado do outro para se descontraírem e darem início a uma amizade.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Os dois segundos em câmera lenta (Fellipe Gaio da Silva)


Estava indo para casa, depois de uma partida de futebol entre amigos, e conversando com seu amigo. Lá pelas tantas, ele se intriga:

- Já reparou que a música está virando ar?

- Como assim?

- É. Antes o som saía de discos de vinil. Depois, da fita cassete e, em seguida, dos CDs. Agora, a música está virando ar, pois não sai de nada, mas toca. Simplesmente toca.

O amigo parou e pensou. Repensou. Até queria retrucar, mas era depois de um jogo de futebol. Não queria pensar muito, era capaz que doesse só de pensar. Então concordou, erguendo a sobrancelha esquerda.

Ele ficou satisfeito e caminhou com a cabeça levemente mais erguida. Até apertou um lábio contra o outro. Pôs as mãos nos bolsos, um sorriso preso quase se deixando ver, como quem acaba de ganhar numa discussão sobre o seu time.

Passaram então por uma rampa, dessas de estacionamento, defronte a uma casa. O amigo passou contornando-a, e ele passou por cima. No seu último passo sobre aquela rampa assassina, escorregou o pé esquerdo, enquanto o direito estava a caminho de mais uma passada. Tentou tirar as mãos dos bolsos o mais rápido possível, a fim de evitar a queda, mas não deu tempo. Caiu. Caiu com a cara no chão; e só de um lado.

Acho que o procedimento todo, desde o escorregão até a cena ridícula d’ele tentando tirar as mãos dos bolsos (que mais parecia um peixe se batendo fora d’água), deve ter levado, no máximo, uns 2 segundos, mas foi aquele tipo de tombo que mereceria versão em câmera lenta.

Quando levantou, se bateu para tirar a poeira da roupa, tirou a areia do rosto e, nesse momento, decidiu, disfarçadamente, olhar ao redor pra ver se alguém tinha flagrado o seu tombo. Girando o rosto no sentido horário pôde ver a loja de móveis, a farmácia, a lotérica, o mercado e o Terminal Rodoviário da cidade, nessa sequência. E de todas aquelas pessoas que estavam rindo, uma delas chamou a sua atenção. Era o seu amigo, sentado no meio-fio, quase deitando de tanto rir.

- Vamos embora! – Ele disse, quase gritando.

Rindo, o amigo levantou e começou a caminhar.

Uns 5 passos à frente do amigo, ele pensou: "- Da próxima vez, eu finjo uma convulsão... ou simulo um infarto... ou sei lá."

Sem título (Thiago Ricieri)

A parte mais emocionante de passar por uma confusão violenta é que não dá para confiar na previsão do comportamento dos outros. Raiva e inconformidade fazem aqueles que apenas pensavam falarem as suas idiotices.
A confusão por si só não tinha motivos. Ao que parece, um bandido tentou assaltar um estabelecimento de venda de refrigeradores na Brasílio Itiberê, a polícia foi chamada e agiu rápido, prendendo o gatuno uns cinco minutos antes de eu chegar à esquina. As pessoas ao redor, que me faziam companhia como observadores do evento, repetiam em uníssono: "Que que é isso?!"


- Que que é isso?! - eu falei.

Isso, depois da ação da polícia, é o que acontece quando algumas pessoas têm a oportunidade de descarregar a revolta da injustiça que percebem em suas vidas. O bandido, deitado no chão da calçada, de cócoras e queixo colado ao peito, protegia-se da agressividade gratuita dos comerciantes da loja de refrigeração e do açougue ao lado. Os golpes alternavam chutes e adjetivos. Eu já estava passando pela frente, diminuindo para a segunda marcha enquanto virava o pescoço para assistir à cena. O meliante tentava levantar-se, mas era logo devolvido a sua posição indefesa por aqueles que o cercavam.

A polícia cuidava para manobrar o carro na calçada e, quando o fizeram, um dos agentes da lei se aproximou do bandido, pegou em seu braço e o levou para a cabine do automóvel. Coloquei o carro na entrada do estacionamento, que por infeliz coincidência ficava ao lado do açougue e à frente de um departamento do governo. Saí do veículo a tempo de presenciar a segunda cena de violência daquela tarde.

Pelo que deu para entender, um dos motoboys que estavam do outro lado da rua começou a desafiar os policiais e os açougueiros, dizendo que eles não teriam coragem para insultar o bandido se ele não estivesse preso. A plenos pulmões ele bradava, com apoio de seus colegas, e nesse ponto não era somente a adrenalina do bandido que estava alterada. Os açougueiros compraram a provocação e o bate-boca chegou mais próximo do bate do que da boca.

Eu saí do carro para entregar a chave ao manobrista do estacionamento, o qual estava, como todos os demais, assistindo boquiaberto ao episódio daquele fim de tarde. Motoboys seguravam os capacetes com os braços erguidos na intenção de desferir golpes nos que se aproximavam. Chutes, socos, capacetadas, insultos recheavam a confusão e um dos motoboys acabou caindo ao chão, bem como antes caíra o ladrão. Os policiais entraram em cena para apartar a briga e socorrer aquele que fora pisoteado pelos açogueiros. Só o vi se levantando, com o semblante tingido de vermelho-sangue, respirando com dificuldade.

Eu, que de bobo não tenho nada, mantive uma distância segura disso tudo. Quando o problema parecia ter sido controlado, continuei com meu caminho. Pelo menos, meu carro não foi arranhado.

Temporário (Juliano Miranda Machado)


Deitado em uma cama, o soro correndo-lhe às veias, abatido está o velhinho; longos anos de cansaço, as marcas detalhadas na testa mostram o longo trajeto de sofrimento.

Chega a enfermeira, apressada, tilintando copos e cartelas com comprimidos de etiquetas diferentes, os toc-tocs do sapato de salto ecoam pelo longo corredor, batem em cada tijolinho e se apresentam aos ouvidos de quem transita ali perto.

De repente o ambiente muda. Pelo reflexo, vê-se a face de choro da mulher que o espia cada minuto, que coloca os braços nos vidros e lentamente escorre os dedos, as digitais marcando cada espaço do temperado vitral.

Sussurra o velhinho, mas não é ouvido, abafado pelos sapatos dos médicos e apitos das máquinas, muitas segurando por um fio a vida de quem se liga a elas.

A correria é geral, como um pelotão indo pra o combate corpo a corpo contra o inimigo.

O inimigo é cruel, não pode ser combatido cara a cara. As lágrimas banham a face de quem observa com expectativa, quem sabe com esperança.

O batalhão de enfermeiras corre de um lado pro outro, os gorros brancos com a cruz vermelha estampada balançam como em uma dança coreografada.

O médico aponta o risco verde na máquina, que corre como numa planície de um lado pro outro, e vai diminuindo, cada vez mais fraco. Os olhos do velhinho na cama brilham azuis e contemplam as pessoas que o observam com tanta atenção, com tanta tristeza.

Uma menina segura a mão dele, e ele a aperta com muita força, quem sabe pra pegar impulso pra dizer sussurrado que não chore, já que ele pode ver a face de Deus. Os cílios do velho repousam lentamente um sobre o outro, estampa-se um silêncio e não se ouve mais nada naquele leito.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Apenas (Fabiana Vieira Cintra)

Fecho os meus olhos e peço apenas mais um dia. Um dia para pensar menos. Pensava muito. Pensava no mês que vem, no próximo ano, no próximo problema, na próxima solução. Pensava o que poderia ou estava para acontecer. Deveria ter pensado menos.

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A cegueira, que quase não notara no início, foi se instalando lentamente e tomou conta depois de algum tempo.
Como já me bastasse viver na escuridão, fazia-me companhia a mente alucinada por sempre pensar demais.

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Deveria ter lido menos. Ser um cego me fez querer saber demais. Querer saber sobre todas as coisas e conhecer todos os lugares. Havia sempre de existir uma nova idéia.
Deveria ter lido menos os livros e mais os olhos do meu filho.

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Já fora da minha cegueira e ainda de olhos fechados, peço mais um dia. Talvez apenas um momento de um dia. Um dia sem pensar, sem querer ensinar, sem querer aprender, um dia apenas para viver.

Bem-vindos

Bem-vindos!

Este espaço surgiu das apresentações que todos vocês, do primeiro e segundo períodos de Comunicação Social do UNICURITIBA, fizeram de suas criações (crônicas, peças etc.) em sala. Muito cedo ficou óbvio que eram boas demais para ficarem só dentro da sala. Por isso, vamos dar visibilidade ao que sabemos fazer, pois isso funciona como um ímã de coisas boas, o que só fará bem a todos nós.

Abraços a todos,
Prof. Marcus