sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Simples assim (Yullemi Paulo S. Pinto)

Quando a conheci foi um pouco estranho, pois eu a olhei e ela também me olhou, e nos demos tchau.


Sim, foi assim que a conheci. Sim, eu digo a conheci por que de algum modo sabia que ela não seria apenas uma pessoa estranha que teria encontrado em um lugar qualquer.

Lembro-me de que naquele dia, nos poucos segundos em que olhei seu lindo rosto de pele clara, sua boca que parecia ter sido desenhada e um nariz... é... o nariz não era a coisa mais perfeita do mundo, mas não fez diferença, pois já estava encantado com os seus olhos grandes e negros que me olharam com uma firmeza....

Senti a coisa mais estranha que tinha sentido até aquele momento em minha vida; eu quase curvei minha cabeça, eu sentia algo quente e desesperador, era como se ela pudesse ver por dentro de mim, ver os meus defeitos, ver por trás de toda a casca quem era eu.

Sem título (Thayan Acevedo de Rodrigues)

Perder algo não é fácil, perder algo de que a gente gosta é horrível, perder uma pessoa é uma dor sem igual, mas perder alguém de quem gostamos... ah, que sensação indescritível.


Lembro-me como se fosse ontem, os debates com os primos de como seria quando nossa avó viesse a falecer. No tempo de adolescentes, imaginávamos o quão difícil seria viver sem ela, sem seu abraço e suas palavras confortantes. Algo que para mim era extremamente inaceitável, inimaginável, aconteceu.

Em meados de 2011, devido a uma grave pneumonia e um maligno e instantâneo tumor no pulmão, ela se foi. Rapidamente, sem sofrimento, ela se foi. Nosso chão se abriu, nós caímos sem ter um fundo no qual aterrissar, sem um paraquedas de conforto, apenas a angústia e a desesperança de levar uma vida sem ter a pessoa que nos ensinou os maiores valores da vida: o amor e a convivência em família.

Minha avó era um grande exemplo de superação, em quase todos os quesitos. Pobre desde pequena, ela nasceu no Paraguai e veio ainda criança para o Brasil. Aprendeu a falar português com muita dificuldade, ou seja, sua adaptação foi demorada. Estudou, cresceu, se casou cedo, teve 5 filhos (3 mulheres e 2 homens falecidos) e se tornou catequista. Como catequista, colecionou alunos e amigos, era adorada por todos, não apenas por esbanjar simpatia, mas também por ter palavras sabias nos momentos certos. Era uma idosa encantadora, fazia de tudo para agradar a quem fosse e não media esforços. Ela me ensinou a, desde pequeno, fazer o bem sem olhar a quem. Devido a ela, minha família se tornou a base de tudo, e aprendemos que apenas juntos conseguiríamos ser felizes.

Então, veio o câncer de mama e a primeira batalha começou. Não apenas dela, mas de toda a família. O cabelo caiu, a expressão ficou pálida e a vontade de fazer suas atividades preferidas (pintar, costurar, cozinhar) foi diminuindo. Depois de 4 anos e vários tratamentos, o câncer se foi, mas antes que a felicidade fosse retomada, veio o câncer dos ossos. Mais tratamentos, mais remédios e a esperança de ter minha avó por perto se tornava menor, enquanto a vontade de tê-la por perto aumentava. Os anos se passaram, sua força diminuiu e nada mais lhe fazia sorrir. A cada dia que passava, pouco tempo restava.

Então retornaram a pneumonia e o tumor no pulmão. A guerreira se foi, perdeu a guerra com muita determinação, lutou até onde conseguiu, não por ela, pela família que ela tanto prezava. A vida continuou, aos poucos retornamos ao ritmo normal, aos poucos voltamos a viver a rotina, e a dor momentânea se tornou motivação, motivação para realizar todos os planos que um dia contei para ela, todas as conquistas que um dia declamei que alcançaria, a esperança de fazer tudo certo, tudo como deveria ser se ela estivesse aqui presente.

Para muitas pessoas, é difícil falar de algo desse gênero; eu sinto prazer, pois eu sinto que o “eu te amo” de que ela precisava, eu dei. Que o abraço deque ela precisava, também dei, do mesmo jeito que ela me deu, que ela me protegeu quando mais precisei.

Foram 19 anos de convivência, uma vida dentro de uma vida; não existe como tirá-ça da cabeça. De vez em quando, dou risadas de suas histórias, costumo chorar sentido sua falta de vez em sempre e penso em como seria contar o que fiz ontem para ela.

Atualmente, a única coisa me deixa triste (além da saudade) é imaginar que ela não vai estar presente (de corpo) quando eu me formar, quando eu me casar, quando tiver filhos, mas, independentemente de tudo, tenho em mente que foi tudo dedicado a ela, todas as lutas, todas as batalhas, que não chegam nem perto de tudo o que ela fez para ficar perto de nós.

Foi, é e sempre será meu exemplo de vida, que vou repassar para meus filhos, que espero que repassem para os netos e que nunca deixem se perder essa essência de saber que um dia existiu uma pessoa que não praticava maldade, que não tinha rancor e pensava sempre em fazer o bem. E nunca esquecer que, ainda, a família é a base de tudo.

Se o céu realmente existe, eu tenho muita inveja de lá neste momento.

O amor que nunca terei (Renata Konig da Silva)

Saí da última aula e, deixando a faculdade para trás, segui meu rotineiro caminho até o ponto de ônibus, o qual pegava todos os dias com as mesmas pessoas, com os mesmos olhares, sorrisos e contrastes. Mas o que eu não sabia era que, justamente naquele dia, muita coisa mudaria...


Lá estava eu, sentada em um dos últimos e mais escondidos bancos do ônibus, com meu fone de ouvido tentando fugir da constante agitação da cidade e do dia, quando, logo após parar, me fez olhar a catraca no mesmo instante que o último passageiro daquele dia entraria... Foi então que aconteceu a mais simples troca de olhares com um fascinante rapaz de pele clara, cabelo castanho, olhos claros e bochechas rosadas que me tocou intensamente ao ponto de me fazer sorrir com aquele sorriso do mais bobo que podemos ter. Imóvel no meu canto, fiquei admirando da forma mais discreta aquele rapaz entrar e movimentar-se procurando um lugar para se sentar e que, sem sucesso, veio caminhando para perto de mim, fazendo com que meus olhos brilhassem e minha pele arrepiasse.

Ao se aproximar, nossos olhos se encontraram novamente e, dessa vez, ele sorriu. Por um momento, cheguei a pensar que muita coisa poderia acontecer depois, que poderíamos nos esbarrar mais vezes naquele ônibus ou que simplesmente o destino faria com que nós nos conhecêssemos. Mas, pelo contrário, o destino deixou vago o que poderia acontecer ...

Nossos olhares se cruzaram por mais outras vezes, nossas mãos chegaram até a se encostarem devido a uma freiada brusca do ônibus, mas, para a minha tristeza, nada além disso. Nada além de um amor platônico que me ocorreu em mais um dia da minha vida frustrante.

O ônibus parou em um dos seus terminais, fazendo com que ele me deixasse, tirando-me do momento mágico que, por um instante, achei que poderia se eternizar... Deixou-me, então, com os pensamentos mais sinceros e eletrizantes, com os olhos ainda brilhando e com aquele frio na barriga que somente uma paixão pode fazer com que sintamos. Todos os dias ainda pego o mesmo ônibus, no mesmo lugar, imaginando como seria encontrá-lo mais uma vez.

Talvez ele tenha sido aquele amor que nunca terei, ou talvez possa ser aquele que nunca esquecerei.

Meus devaneios (Odinéia Pires)

Sexta- feira, último dia da semana, ufa!


Esta foi uma semana movimentada, corrida, digo até cansativa, mas, durante dias, cinco dias, não fazia mais nada além de correr de casa para o trabalho, do trabalho para a faculdade, da faculdade para casa, com pequenos intervalos para comer, tomar banho e dormir e assim por diante.

E, nessa sexta, em uma mesa de bar com amigos, eu me pego olhando obcecada para um quadro na parede e me permito viajar alguns instantes e pensar o seria de nós, indivíduos terrestres, sem esse movimentado e turbulento dia.

Seriamos talvez mais criativos? Pois teríamos tempo para pensar, sim, e muito. Não ficaríamos ociosos e preguiçosos querendo apenas dormir, comer e descansar? Prefiro o talvez.

Seriamos mais ligados sempre às mesmas pessoas à nossa volta? Sim, estaríamos sempre com as mesmas, não frequentaríamos novos lugares, novas pessoas? Seríamos praticamente obrigados a conversar com elas? Não brigaríamos muito, já que precisamos de convívio social? ainda prefiro o talvez.

Seríamos mais felizes? Teríamos tempo para fazermos o que quiséssemos. Poderia cuidar de minha forma física, poderia ler muitos livros, ouvir muitas músicas, dançar muitas vezes, namorar muito e conversar muito. Não, pois não teria dinheiro e ânimo. Para meu amado, talvez...

Durante alguns minutos ,olhando para o quadro e viajando nesse pensamento, voltei-me para meus amigos - que nem perceberam minha alucinação - e os abracei, e agradeci a vida desenfreada que esse mundo capitalista me proporciona, pois, muito provavelmente, não os teria conhecido neste meu tão amado curso de publicidade.

Bom, o papo está muito bom, mas vou utilizar o próximo intervalo para meu convívio familiar e meu descanso. Tchau, e até o próximo feriado.

Sem título (Milena Louise da Silveira)

De repente, me senti desafiada a escrever sobre o amor. Talvez por ele ser um desconhecido, uma peça que nunca se encaixou na minha vida, ou ainda, por sempre ter fugido dele. A verdade é que nunca acreditei naquele ideal de amor romântico no qual, em um passe de mágica, o garoto perfeito se apaixona pela garota perfeita e eles são felizes para sempre. Minha curiosidade sempre me bombardeava com as mesmas questões: “E as brigas por causa das contas? O ciúme da secretária loira e extremamente atraente?” Também nunca fui ligada a melosidades, às ligações e mensagens de “bom dia, boa noite, bom café da tarde(...)”, aos apelidos que supostamente são carinhosos e aos excessos que o amor parece pedir. Sinto arrepios só de pensar em alguém me chamando de “minha”.


Penso no amor como um ponto de paz em meio ao caos do dia a dia, no qual dois estranhos deixam de lado as inseguranças sobre as dimensões de seus corpos e passam a valorizar as peculiaridades um do outro. Um amor que faz com que seu dia mude completamente só com um beijo. Um amor que não vai avisar que está chegando e que não funciona como um contrato. Um amor que não precisa de palavras ou mimos, já que se faz presente apenas em olhares.

Talvez seja ingenuidade minha acreditar em um romance assim, mas minha curiosidade me fez tomar uma decisão: não fugirei mais do amor. Porém, não irei ao seu encontro. Deixe que nos encontremos em uma esquina qualquer.

Sem título (Melissa Santos)



"Era uma vez, um rato e um gato.


O rato corre atrás do gato. Ambos atravessam a rua e são atropelados.

Mas só o rato morre, enquanto o gato corre."

Sem título (Mayara Ribeiro dos Santos)

Era uma tarde, primeiro dia de aula. Primeiro ano do ensino fundamental, escola nova, professores novos, colegas novos. A professora começa a se apresentar. Eu estava sentada, com meu material novo em cima da carteira, ouvindo atentamente e mascando meu chiclete. Ela diz seu nome e vai acrescentando detalhes sobre si, as aulas e o que ela não permitia na sala. Conversas excessivas, sair sem permissão, ir às aulas sem uniforme e aquela coisa toda. E, para meu espanto, firme e seriamente ela nos noticia de que era proibido chiclete durante as aulas.


Meus olhos se arregalaram porque me lembrei de que estava mascando um; logo, comecei a pensar em como me livrar dele. O lixo estava muito à frente, longe demais; se eu me levantasse para ir até lá, a professora e todos perceberiam. Na hora, não me vieram à cabeça boa saídas, nem ao menos uma simples, como colocar em um papel, grudar embaixo da carteira, ou qualquer outra atitude normal. Apenas olhei ao redor, peguei o chiclete da boca e, disfarçadamente, abri o zíper e guardei no bolso da calça do uniforme. Sim, guardei o chiclete no bolso da calça, sabendo que ele estaria escondido ali até a hora de a aula acabar e eu poder jogá-lo no lixo.

Quando cheguei em casa, fui para o quarto tirar o uniforme e logo me assustei ao lembrar do que tinha esquecido: o chiclete dentro do meu bolso. Abri para tirá-lo de lá e, quando vi, estava todo grudado no bolso da calça. Tentei desgrudá-lo dali, mas foi em vão: o chiclete não desgrudava.

Sem saber o que fazer, recorri à minha mãe. Não sei se foi inocência de criança ou pressa para que a professora não visse, apenas sei que minha mãe e todos não acreditaram no que eu tinha feito e riram. Minha mãe, mesmo com várias tentativas, com gelo, Coca-Cola, não conseguiu: o chiclete não desgrudou de lá. O jeito foi comprar uma calça nova e, claro, nunca mais guardar chiclete no bolso.

Resta o afeto (Lucas Lima)

Ele pega o alimento que recebeu e o divide em partes iguais com seu amigo, seu melhor amigo, aquele que não o julga, não o condena, apenas o segue. O que rodeia os dois é o mais puro sentimento de amor e admiração, um amor sem segundas intenções, enfim, o mais belo sentimento que existe.


Ambos vivem em um lugar muito simples, sem o mínimo de sofisticação ou status, enfim, uma vida muito modesta. Seu lar não tem banheiro, cozinha ou sala, seu lar é a rua.

Estão à margem da sociedade, parecendo, para alguns, serem condenados a viver daquela forma miserável. Provavelmente sonhem com uma vida mais confortável, sem tanto sofrimento e humilhação. Alguns passantes se solidarizam com eles, outros os abominam. Não se sabe o motivo de estarem naquela situação, mas, com certeza, não é por sua própria vontade, pois problemas acontecem com todos; o que os diferencia é a profundidade dos problemas e a forma com que cada pessoa lida com eles.

Por incrível que pareça, se vê muita felicidade no olhar daqueles dois amigos. Eles sabem que dificilmente abandonarão aquele local e que, no fundo, só lhes resta aproveitar aquela bela história de amizade, como se não houvesse amanhã.

Com o entardecer, procuram um local mais protegido para passar a noite e, juntos, seguem o mendigo, arrastando seu cobertor, junto a seu cão em sua jornada em busca de abrigo.

Sem título (Lucas Milan Francio)


Tudo começou com uma pequena viagem para Verona, onde, junto com minha noiva, fomos desfrutar o verão italiano. Eu sou chefe de cozinha e, na época, estava prestes a abrir meu próprio bistrô em Nova York, e ela, uma jornalista do Wall Street. Tínhamos interesses diferentes e, para não cairmos na rotina, resolvemos fazer uma espécie de lua de mel antes da lua de mel, deixando de lado o trabalho e nos dedicando um ao outro.

Chegando a Verona, fomos a vários restaurantes. É completamente impossível estar na Itália e não ir à maior quantidade de restaurantes, cafés e bistrôs que se possa encontrar. Emma não tem muito interesse na minha área, parecia estar entediada com nossas visitas a esses lugares fabulosos. Mesmo percebendo isso, fui egoísta e só pensei em satisfazer minhas vontades.

Em uma caminhada, minha noiva encontrou o que tanto desejava: uma boa matéria para sua promoção no jornal. As secretárias de Julieta, mulheres que recolhem e respondem todos os dias as cartas deixadas na parede de uma casa, onde aconteceu o famoso romance de Shakespeare, supostamente para serem entregues à verdadeira Julieta.

Emma ficou fascinada e se ofereceu para ajudar as secretárias a responderem as cartas e retratar tudo em seu novo artigo para o jornal. Já eu achei um ótimo programa que iria me ajudar no meu bistrô, um maravilhoso leilão de vinhos que estava acontecendo a umas 100 milhas dali, e era completamente restrito.
As garrafas saíram diretamente da adega dos Château Cheval Blanc e Yquem, e incluíam safras famosas, como a de 1947 e 2000. Eu estava ansioso para começar a levantar minha placa, cujo número era 36, e conseguir ótimos vinhos para minha adega.

Voltando para encontrar minha noiva, Emma, entro na casa das secretárias de Julieta e me deparo com a chefe de cozinha, que controla um restaurante na casa, e me convida para preparar um maravilhoso talharim, cuja receita deve existir há uns 100 anos. Não poderia perder aquela oportunidade; era mais uma receita única, a qual poderia levar para NY.

A cada dia surgiam novas oportunidades que fariam com que eu crescesse dentro da minha área. Mas, conforme aquela semana passava, fui percebendo que, embora estivéssemos na mesma cidade, estávamos fazendo o que sempre costumávamos fazer: deixar nosso relacionamento de lado e nos dedicarmos a nossos próprios interesses.

Quando a encontrava, estávamos sempre cobertos de novidades, mas, ao mesmo tempo em que eu gostaria de contar tudo, não tinha vontade de contar nada, pois sabia que ela não me compreenderia. Comecei a perceber que nosso relacionamento não era mais o mesmo, mas não sabia exatamente o porquê. Pensei que era questão apenas de interesses, digo, ela não parava de pensar no seu artig e não se importava com as minhas novas experiências no mundo gastronômico da Itália.

 Mais uns dois dias se passaram e voltamos para Nova York. Eu a sentia mais distante do que nunca. Viajamos com a intenção de nos aproximarmos e acabamos voltando mais distantes. Emma não sorria como antes e, quando me olhava, eu sentia que não a estava fazendo feliz.

Não demorou até termos uma conversa, a qual ocorreu na minha nova cozinha. Ela chegou e se foi, junto com todos os planos que fizemos juntos, disse que partiria para Verona. Eu a deixei ir, com o coração na mão, mas sem arrependimentos.

Já se passaram alguns anos, e hoje meu bistrô é um dos mais reconhecidos em NY. Cheguei aonde queria, mas precisei abrir mão de um grande amor. Dediquei-me somente a meu trabalho, achei que isso seria a minha felicidade, mas talvez a felicidade não seja apenas isso, pois ainda cozinho pensando nela.

Eu e ela (Larissa Janz)

Todo dia ela acorda e lava o rosto, aquele rosto bonito que não se cansa de olhar para mim. Quer dizer, nem sempre ela acorda e lava o rosto; alguns dias, ela se levanta e dança como se estivesse em uma festa.


Ela se veste olhando para mim e, depois, me pergunta: “Ficou bom assim?” Eu digo que sim, obviamente. Mas ela não me escuta, não presta atenção quando eu digo o quão linda ela é e que basta ela olhar para mim que entenderá o que eu digo. Assim, ela se troca várias e várias vezes até achar algo em que se sinta bem ou até que se canse.

Antes de sair, ela sempre vem me dar um tchau. Sempre se analisa à minha frente para conferir se não há nada de errado com ela.

Sozinho, eu não sou nada. Sem ela, não há razão para minha existência. Ela sempre vai ser aquela que eu vi crescer, que eu acompanhei em sua rotina e que eu pude ajudar a ganhar confiança em si mesma.

Já perdi as contas de quantas vezes ela já praticou suas apresentações diante de mim, de quantos ensaios de teatro (ou de beijos) ela já fez. Amo quando se solta para mim, pois assim posso mostrar a ela exatamente como eu a vejo.

Ela passa horas olhando para mim, imaginando quem ela vai ser e como a sua vida será dali para a frente. Já a vi chorar inúmeras vezes. Muitas vezes, ela não tinha com quem falar, então falou comigo, pois sabia que eu nunca a deixaria.

Várias vezes ela me machucou, me sujou, me jogou e eu deixei, eu sabia que ela ficaria melhor depois. Então, por que não?

Em mim, ela viu algo que ela não queria ser e, assim, ela cresceu, amadureceu e sobreviveu. Hoje, ela já olha para mim com orgulho, pois gosta do que vê. Ela consegue ver tudo o que ela deixou para trás e o quanto esse deixar para trás a fez ganhar.

Eu nunca irei abandoná-la, sempre irei cumprir o propósito para o qual fui feito, mostrar para ela quem e como ela realmente é. Afinal, sou um espelho, e não um mero ser humano.

Carro azul (Jéssica Beatriz Barcelos Hoeller)

Um silêncio agonizante e perturbador, apenas eu e você no seu pequeno carro azul em uma esquina qualquer de uma rua escura; ainda posso lembrar-me da bebida com gosto de suco de maracujá e do seu perfume inconfundível. Lembro-me do seu olhar assustado, da sua respiração ofegante; naquele momento, senti que ambos queríamos relembrar o gosto dos nossos beijos, como quando nos conhecemos: um beijo despretensioso e terno, mas que havia mudado com o passar do tempo, assim como nós.


Nossa bebida havia acabado, assim como a conversa que havíamos começado; poderíamos ter terminado nossa noite ali, mas não estávamos prontas para dizer adeus. Eu sentia que tudo o que precisava era sumir por algumas horas, olhar para o seu rosto e tê-la nos meus braços por, pelo menos, mais uma vez. Quando dei por mim, estávamos na estrada, a caminho da praia. Eu admirava o seu sorriso enquanto dirigia e fazia planos para o futuro, mesmo sabendo que provavelmente não aconteceriam. Nós cantávamos as musicas do seu antigo CD, bebíamos e, mesmo com o mundo contra nós, me senti feliz como há muito tempo não me sentia.

Estacionamos o carro na frente do mar; garoava e fazia muito frio, mas nada disso importava, pois éramos apenas eu e você, assim como eu tinha imaginado e desejado por tanto tempo. Seu cabelo bagunçado, um sorriso sincero e um brilho no olhar. Enfim, o beijo que eu esperava ansiosamente desde que tínhamos nos encontrado mais cedo naquela noite. Era como eu lembrava, eu arrisco dizer que até melhor: um beijo doce, carinhoso, acompanhado de um turbilhão de emoções. Lembro-me de que pensei que eu poderia morrer ali mesmo, em uma praia quase deserta, numa noite fria e úmida, que eu estaria realizada.

Passamos horas e horas admirando o mar, conversando sobre os mais diversos assuntos. Quando volto àquela noite, recordo nossos corpos juntos, o calor dos seus braços e de como eu me sentia segura cada vez que me envolvia neles. Irei guardar essa sensação para sempre na memória e no coração, pois sei que dificilmente irei senti-la novamente.

Cochilamos por algumas horas no seu pequeno carro azul, a realidade nos chamava infelizmente. Por mais que tentássemos resistir, sabíamos que aquela hora chegaria,:você teria que voltar para sua rotina, e eu, para os braços de outra pessoa. Quando me dei conta, estávamos na estrada, voltando para a cidade; eu não conseguia parar de olhar pra você nem por um instante, pois algo me dizia que seria a última vez que nos veríamos. E ,por fim, um último beijo que, por algum motivo, já não era o mesmo.

Sem título (Jaqueline Calixto dos Santos)

Mais uma semana se inicia. Os pássaros cantam, a luz invade o quarto e, enquanto, isso Camila rola na cama, ainda atordoada por conta da noite anterior. A única coisa de que conseguia se lembrar era de ter virado uma segunda ou quem sabe uma terceira dose de tequila por volta das três da manhã.


A função soneca a desperta pela milésima vez. Provavelmente, Camila pensa: o objetivo até era voltar antes da meia-noite, mas, como já se sabe, isso nunca acontece, e cá estou eu, destruída. Mal conseguindo abrir os olhos. Porém, mesmo cansada, Camila sentia-se disposta, sentia-se aliviada, leve, livre. Um sorriso estampado nos lábios, os olhos brilhando, a alma desejando vida! Imaginava viagens, cursos, novos amigos, novos amores e tantas outras surpresas. Camila é simplesmente fascinada pelas reviravoltas e novas possibilidades que a vida nos proporciona. Como qualquer outra pessoa, ela havia passado por uma daquelas chamadas, “fases difíceis”. Mas agora, finalmente, estava em paz, em sintonia e harmonia consigo e o mundo, nada estragaria o seu dia, nem mesmo a ressaca e a dor de cabeça, ou então a falta da nicotina matinal.

Camila é vivida, apesar de quase sempre pedirem seu RG quando compra cigarros. Ela apenas sorri como quem quisesse dizer: “bom se fosse menor de idade”. Como de costume, ajeita os fones de ouvido, escolhe uma boa música e se encaixa em algum cantinho dentro do ônibus. O corpo leve, a mente sã, o coração reconstruído. Camila aproveita a viagem para sonhar e planejar o futuro; entre os tantos planos, repetir noites prolongadas como aquela. Afinal, nada melhor do que a celebração da solteirice e da liberdade.

Planeta Facebook (Heloisa da Costa Pereira)

Estava acessando minha conta no Facebook como de costume e notei o quão viciante tornou-se esta rede social, visto que passou a fazer parte de minha rotina acessá-la todos os dias. E, se não o faço, bate certa aflição e curiosidade em mim, apesar de saber que não haverá nenhuma novidade relevante nela.


Diante disso, qualquer cidadão comum e alienado como eu se pergunta: eu tinha vida antes do Facebook? A primeira impressão: não. Mas eu tinha. Era uma vida sem graça, sem a curtição, amigos virtuais, marcações em fotos obcenas nem nada disso. Não possuía aqueles tentadores botões “curtir” e “compartilhar”. Era uma monotonia só. E não é só o meu caso. Hoje, até bicho de estimação tem perfil no Facebook, com fotos, likes, amigas gatinhas, etc.

E a situação está ficando séria. Agora com o chamado Facebook Móvel, dá para informarmos aos nossos amigos onde estamos a qualquer momento. Basta fazermos um check-in, pelo aparelho, seja ele um tijolar, cebolar ou iPhone de última geração (que, na minha humilde opinião, só falta voar) e surge no perfil um pequeno mapa todo elaborado com a nossa localização.

Certo dia, li um artigo que dizia que o governo dos EUA está a ponto de estabelecer um acordo com os empresários responsáveis pela administração do Facebook a fim de impor limites de privacidade na rede social. Por conta disso, o diretor de engenharia do site, Arturo Bejar, sentiu a necessidade de esclarecer melhor como funciona o mecanismo de privacidade dele. O tal mecanismo me surpreendeu. Ele se resume em apenas uma palavra: cookies. Para termos uma ideia, a empresa pode até identificar, por meio desses cookies, a resolução da tela do nosso monitor. Poderia até localizar por onde andamos, mesmo que desconectados da rede. Só não faz isso porque precisaria do consentimento de todos.

E o que é esse turbilhão de propagandas? São páginas e mais páginas de divulgação, de pequenas empresas a multinacionais. As que não possuem uma estão por fora.

Toda essa parafernália chamada Facebook só me leva à seguinte conclusão: é um planeta diferente e virtual, porém, com os mesmos objetos de uma vida normal. É comum que sintamos o desejo de viver num mundo mais diferente e criativo, onde aparentamos ser mais bonitos, “photoshopados” e felizes.

O voar dos pensamentos (Helen Regina Antunes dos Santos)

Que tédio! Já não aguentava mais ficar em casa, peguei meu livro e fui para a praça perto de casa. Estava cheia naquele dia, devia ser pelo fato de o dia estar lindo. Procurei um lugar tranquilo pra ler, avistei um banco ao longe, corri e, finalmente, depois de alguns bons minutos, me sentei.


Viajei em meus pensamentos, mas algo me chamou a atenção: em meio a todas aquelas pessoas, umas dançando, jogando futebol e outras perdidas em seus pensamentos, como eu estava, havia um homem todo encolhido, largado em meio ao gramado. Dois meninos faziam passos de danças ao seu lado e nem perceberam sua presença. Ele devia estar ali adormecido há horas, aparentava uns 30 anos e estava sujo como se tivesse caído na lama. Fiquei olhando para os lados e nada, ninguém veio para chamá-lo ou ver se ele estava bem. Todos estavam em seus mundos de felicidade e aquele homem, ali, era como se fosse uma folha de árvore que cai no outono, era apenas parte da paisagem.

Pensei: “Por que essas pessoas não ligam de ele estar ali? Será que está morto? Por que ele está ali? Por que ninguém não faz nada?... Aiiiiii!”.

- Desculpe, moça! - era a voz do rapaz que me atingiu com em cheio com uma bola. Como ele era lindo...

E mais uma pessoa deixou de pensar naquele ser humano que mais parecia o homem invisível em meio a tantas pessoas.

Guincharam meu tempo (Guilherme Siebert)

- Cara, fica aí mais um pouco - disse o Renato, me enrolando.


- Não dá, tenho muito trabalho pra terminar e já está tarde - expliquei.

E ficava cada vez mais difícil sair daquele lugar. Por um lado, eu já havia trabalhado o dia inteiro, e aquele tempo livre não me fazia mal algum. Por outro lado, se eu ainda quisesse dormir, precisava concluir o trabalho logo. Afinal já eram 1h20 da matina.

- Tá bom, vou ficar mais uma meia hora - cedi.

Fui enrolado por mais 40 minutos, até o sentimento de irresponsabilidade arrombar a porta da minha consciência. Incrível é a habilidade dos amigos em demorar para se despedirem. Ainda mais quando se tem pressa. O Gabriel vai ao banheiro, e o Paulo pede pra esperar porque não sabe onde estava a chave da porta que o Gabriel guardou. Como se não fosse suficiente, brincam de segurar a porta do elevador.

Finalmente no térreo, passo pela saída do prédio e caminho em direção à vaga em que deixei meu carro. Sigo preocupado com o tempo que perdi e calculo a possibilidade de terminar o trabalho em tempo. Quando dou por mim, vejo a vaga, mas não vejo meu carro. Eu estava no lugar certo, mas meu carro não estava lá. Volto, às pressas, para o prédio.

- Roubaram meu carro! - falei ao porteiro.

- Ahn? - sábias palavras do sábio homem.

O trajeto do elevador até o 6º andar nunca havia sido tão longo. O carro não tinha seguro e nem sequer era meu. Meu pai, o mais acostumado com minhas encrencas, estava fora do país - era o fim! Eu nunca conseguiria pagar aquele carro, eu não tinha mais que mil reais em conta. Pelo menos era o suficiente para fugir da cidade.

Cheguei ao apartamento do Gabriel, abri a porta e:

- Roubaram meu carro!

- Ahn? - sábias palavras dos sábios amigos.

Todos correram para o elevador. Lamentei durante todo o trajeto. Eu ainda tinha aquele trabalho para concluir.

- Cara, pelo menos é um carro barato, não é tanto prejuízo - me "confortou" o amigo, cuja identidade prefiro não revelar.

A porta do elevador se abriu, todos expressavam sentimentos e conselhos distintos, exceto o porteiro, este ainda estava em silêncio. Caminhávamos lado a lado, em câmera lenta e em silêncio - ao menos é o que me lembro. Não havia o que me distraísse naquele momento, meus ouvidos filtravam todo som ou ruído daquele instante. Nos aproximávamos da cena do crime, e lá estava a prova.



No chão, um adesivo com a frase: VEÍCULO GUINCHADO

Meus amigos, aprendam esta grande lição: se você valoriza seu tempo, invista um minuto estacionando direito.

Sorrir (Guilherme Reginato)

Jeito humilde, boina virada para trás, alegria contagiante em suas expressões, sorriso envergonhado; estava o homem, sentado em seu “case”, com a barba feita e seu violão em punho. A cada nota tocada, fazia com que as pessoas, que passavam à sua volta, liberassem um sentimento, pessoas as quais fazem de suas vidas algo limitado, sob ordens, rotina, compromissos, pessoas apressadas, assustadas, e o homem ali, tocando seu violão, em meio à praça Tiradentes. O homem, que aparentava ser mendigo, parecia ser uma pessoa cheia de caráter e carisma; tocando Raul em meio à sua lucidez, veio uma corrente de ar, e sua boina foi ao chão. Não se abalou, cantou mais alto; ao fim da ventania, uma lágrima escorreu, uma das pessoas que por ali passava lhe ofertou dois contos de réis.


Duas menininhas, ambas de chinelo de dedo, cabelo bagunçado, uma de short e outra com uma calça curta, ambas vestindo camisetas de manda longa, chegaram ao homem e, no meio de um forte abraço, o homem sorriu; vendo esta cena, a senhora que estava sentada no banco da praça se aproximou, tirou de sua jaqueta duas moedas e as colocou dentro da boina que ao chão estava e, sem querer, ouviu uma das crianças falar: - Pai, estou com fome. A senhora, em seu ato de comoção, lhes ofereceu um doce de amendoim e, distanciando, desapareceu em meio à população.

O homem, que por mais um dia estava buscando seguir sua rotina, cumprir com suas obrigações de pai, em seu expediente, por hora, colocou um fim. Arrumou seu violão no “case”, juntou sua boina e a colocou em sua cabeça; deu um beijo na testa de cada uma das suas filhas e, em gesto de proteção, as abraçou; colocou seu violão nas costas, pegou uma de suas filhas em seu braço direito; a outra, apanhou-a pela mão. Vidas dependendo de outras vidas.

Opala preto (Diego Sezino de Lima)

Trabalhando há mais de dois anos sem tirar férias, aproveito o fim de ano e consigo, finalmente, viajar. Penso: vou pegar minha esposa e ir visitar meus pais em Santa Catarina, São Francisco do Sul, descontrair e ir à praia me desconectar da selva de pedras.


Chego em casa esvaindo-me em alegria por todos os poros e digo para Renata, minha mulher:

– Amor, vamos para a praia amanhã!

– Como, Bruno? Você tem trabalho

– Tirei férias!

– Sério? Que bom, então vou arrumar as malas.

No outro dia, bem cedo, saímos e estava chovendo. Incrível como a bendita Lei de Murphy sempre aparece em horas boas, mas não ia deixar nada atrapalhar o meu primeiro dia livre do trabalho depois de tanto tempo, e lá fomos nós rumo à São Chico. Quando estávamos na estrada, já em SC, o maldito pneu furou, e lá fui eu “trabalhar” de novo. Quando estou quase terminando de trocá-lo, passa por nós um Opala todo negro. Até aí, nada de incomum, mas o que me chamou a atenção foi como o carro estava inteiro, todo conservado, parecia brilhar, até.

Terminei e voltamos ao nosso caminho; dirigi mais uma meia hora e meus olhos já pesavam, estava cansado depois desse momento à la mecânico. Resolvemos achar um lugar para dormir; achamos um hotelzinho muito simples, estacionei o carro e, quando estávamos saindo do estacionamento, apareceu um homem muito mal vestido, com barba comprida, cabelos brancos, aparentava ter uns 70 anos. Ele nos abordou e disse:

– Cuidado na rodovia, pois o carro preto escolhe alguns carros e os joga para fora da estrada, cuidado! – Saia, não temos dinheiro, desculpe – eu digo.

Penso: não vou dar dinheiro a um bêbado. Então, eu e Renata seguimos para o hotel, entramos e eu perguntei ao recepcionista (um rapaz novo, parecendo estar com 18 anos, mais ou menos): – Tu sabe quem é aquele mendigo que está na frente daqui?

– Senhor, é um morador aqui de perto. Quando eu era criança, eu e os garotos tínhamos medo dele. Dizem que ele perdeu toda a família em um acidente de carro, do qual ele foi o culpado por estar dirigindo bêbado.

Penso alto: “agora tudo se encaixa. Fiz certo de não dar dinheiro, mesmo, é um bêbado.” O rapaz nos que atendeu olha e dá risada; seguimos eu e Renata para o quarto dormir. O dia parecia que tinha sido mais longo do que quando trabalhava; devia ser o efeito da viagem.

No outro, dia bem cedo, acordamos e tomamos o café da manhã: uma comida bem simples, mas boa, lembrava a comida da minha mãe (uma comida caseira feita com carinho). Comemos e colocamos o pé na estrada novamente ao meio-dia. Depois de alguns minutos dirigindo, vejo um carro preto atrás da gente; olho de novo e parecia ser o mesmo Opala que tinha admirado ontem. Depois de mais de meia hora com aquele carro colado na gente, percebo que ele está cada vez mais perto, até quase encostar no meu para-choque quando, do nada, o tal carro resolve diminuir a velocidade e some na rodovia.

Ligo o rádio e começo a ouvir um programa de entrevistas que hà muito não ouvia pela correria do dia a dia. Distraio-me, não vejo a hora passar e, quando olho para o relógio, já são 2h30 da tarde e, como que por mágica, aparece no retrovisor o tal Opala de novo, porém, dessa vez, ele vinha em alta velocidade. Acelero meu humilde FIAT Palio para não deixá-lo passar, mas ele insiste em ficar cada vez mais perto. Quando já imagino que vamos bater, que ele vai acertar minha traseira, ele vira e passa por nós, eu olho cuidadosamente para o carro e, para minha surpresa, não havia NINGUÉM nele.

Me espanto e digo para Renata: – Você viu? Não havia ninguém naquele carro que nos passou!

– Claro que havia, amor, você que não prestou atenção! – Eu prestei sim e não havia. – Você deve estar cansado, deve ser isso! Vendo que não adiantaria discutir, desisto; entretanto, a partir daquele dia, eu, que era ateu e cético convicto e acreditava apenas na ciência, comecei a acreditar que existe algo a mais nesse mundo e que existe vida depois da morte, ou, pelo menos, o terror após a morte.

Pior jeito de saber a verdade (Delton dos Santos Gonçalves)

Sabe aqueles cartões de mulheres que fazem programa? Aqueles que você normalmente encontra em telefones públicos? Eu garanto que muitas pessoas acham que isso é pura mentira, só enganação, mas muitas vezes tiveram interesse em ligar. Quando você quer fazer uma besteira parecida com essa, mas não tem coragem, tem sempre um amigo para o ajudar.


Então, você pega alguns cartões desses e, apesar de perceber que todos os números de telefone são iguais e os nomes diferentes, liga só para matar a curiosidade.

A pessoa que atende ao telefone é uma mulher, convence apenas dizendo que a foto do cartão é realmente dela. Diz, também, que atende seus clientes perto do lugar onde estávamos. Resolvemos arriscar.

Pela reação da moça que nos recebeu, percebi que normalmente não recebia pessoas da nossa idade. Disse que queria falar com a moça do cartão, que estava em minha mão, e ela respondeu que tinha que pagar R$ 25,00 só para olhar. Pagamos e ela nos levou até uma sala, onde nos foi apresentada a mulher. Realmente, é verdade que a foto era dela, mas talvez tenha sido tirada há uns 30, 35 anos. Se cobrassem a saída, a gente pagaria com prazer.

Ela e ele (Débora Utiyama)

¨Não vejo mais solução!¨, disse ele.


Ela, já cansada de insistir, aceitou e bateu a porta do carro. Saiu andando meio sem rumo, com sentimentos frustrantes, confusos e incertos. Em breve, ele não estará mais da cidade. “Será mais fácil viver sem ele”, pensou ela. Em uma semana, ele se mudará para bem longe.

Reviveu inúmeros momentos em sua cabeça. Mesmo desiludida, sem saber o que seria de amanhã, sem saber se valeria a pena, ela ainda acreditava. Decidiu dar-lhe um presente. Mas não era um presente qualquer, como uma camisa ou um livro, era algo extremamente pessoal, que só teria valor para eles dois. Saiu rumo a diversas casas de café a que já foram juntos e outros aos quais ela gostaria de levá-lo. Quando estavam juntos, seus encontros casuais ou após almoços sempre acabavam em algum café. Ela decidiu lhe dar um conjunto de diferentes grãos e xícaras ou canecas desses lugares. Seriam itens para a casa nova, onde ela, mesmo não estando junto, se faria presente de outra forma.

Foi uma tarde incrível, única, uma miscelânea de sentimentos. Em um minuto, seus olhos se enchiam de lágrimas; no outro ,ela sentia os cantos da boca se mexendo, numa vontade imperceptível e incontrolada de sorrir. Mesmo em tamanho desconforto, ela encontrou paz em suas lembranças e ainda conseguia sorrir. Foi o que lhe deu forças para continuar caminhando atrás dos mais diferentes grãos. Mesmo o foco sendo os cafés, ela se deparou com outros lugares que poderiam agregar grande valor emocional ao seu presente. Coisas pequenas, simples, mas que para eles teriam um valor imensurável.

Já era noite. Ela, cansada de carregar quilos de cafés e diversas canecas, ainda precisava de um embrulho à altura para tamanho presente. Comprou uma caixa enorme e foi para casa, radiante. Ela sentia uma euforia imensa de pensar na reação que ele teria ao receber seu presente. Então, começou a montá-lo. Colocou para tocar uma banda que ouviram juntos muitas vezes. Ao som de Los Hermanos, ela começou a fazer o arranjo, com todo o cuidado para deixar tudo perfeito, para achar um lugar para cada saco de grãos, para cada pires de uma xícara. Ela teve a atenção de colocar bilhetinhos em cada item, explicando o porquê de cada um, sempre fazendo uma alusão a momentos que tiveram juntos. Enfim, ela terminou, estava tudo em seu lugar, perfeitamente montado, com os mínimos detalhes.

Ao terminar, ela precisava lhe entregar o presente naquele mesmo dia. Conseguiu convencê-lo a ir até lá. Ele chegou, se cumprimentaram normalmente, como sempre faziam. Conversaram um pouco e ela explicou o porquê de tê-lo chamado até lá. Ao buscar a caixa, ela sentia seu coração batendo mais forte, sua boca ficou mais seca.

Ele se surpreendeu ao ver o tamanho do presente; seus olhinhos brilharam, como os olhos de uma criança. Ele abriu o presente com todo o cuidado, como se estivesse com medo, sem ter a mínima ideia de o que o esperava ali dentro. Ao abrir, se surpreendeu mais uma vez. Ficou sem palavras. Começou pelo pequeno pacotinho que encontrou dentro de uma xícara, era um dos itens que só os dois entenderiam. Ele agradeceu, emocionado, e a beijou. Ao beijá-lo, ela se sentiu realizada e, mais uma vez, seus olhos se encheram de lágrimas, lágrimas de emoção, felicidade e incertezas. Ela preferiu não pensar no amanhã e aproveitou, o quanto pôde, aquele momento sublime.

Inspiração (Dallaiane Maziero)

Onde está a inspiração? Lá se vai a primeira xícara de café, nada vem à mente. Na cabeça, um turbilhão de assuntos: amor, ódio, drogas, futebol, violência, rock’n’roll... Afinal, sobre o que escrever?


É engraçado quando ficamos minutos olhando fixamente para a tela do notebook, como se a ideia fosse surgir por mágica na folha em branco. O engraçado é que até os 15 anos tinha uma facilidade imensa para escrever. Será que criei um bloqueio depois que atingi a maioridade? Ou foram as tantas doses de tequila que provocaram esse bloqueio?

Já é tarde, e a segunda xícara de café chega ao fim. Que desastre, acabou o Jornal da Globo, começou o Programa do Jô, entediante – ele anda meio sem pauta e também já foi muito mais divertido, mas, pra falar a verdade, é um dos únicos programas da Globo que eu realmente gosto de assistir.

Abro o Facebook: cruzes, o assunto ainda é Avenida Brasil. Afinal, quem matou o Max? Brincadeira, não estou a fim de saber. A novela já acabou não tem mais graça saber. O que é realmente estranho é ler as várias declarações das desiludidas, e¬ saber dos porres dos amigos no final de semana. E nessa pegada já se foi a terceira xícara de café, esta um pouco mais cheia; preciso me manter de olhos bem abertos, pois a crônica é para amanhã. Que mania de deixar tudo para a última hora!

Ligo o som: AC/DC, Foo Figthers, Metallica, KISS, nada melhor do que um bom rock pra me inspirar... Que nada! Como no início, um turbilhão de assuntos, mas nada de interessante para escrever. A chuva chegou de mansinho, com ela o vento e o granizo... Nada como um temporal de madrugada. Só se for praa dormir, porque, para escrever, está complicado: a luz acabou, e a bateria do notebook está no fim, olha só que maravilha!

Já que estou sem ideias e sem bateria, vou dormir; quem sabe a inspiração vem me fazer companhia amanhã!

Sem título (Bruna Simões)

Eu estava feliz porque tinha feito frio naquela noite, eu sempre admirei o vento gelado e o quanto as pessoas ficavam mais bonitas no inverno. Deitei-me na cama ouvindo a voz do admirável Júpiter Maçã; trechos da música “Não sei” me lembravam o meu antigo namoro conturbado.


Vieram a minha cabeça memórias da última vez que nos falamos ao telefone, quando, no final de uma longa conversa, ele começou a descrever as minhas mudanças. Falava tanto que eu me sentia a pessoa mais entediada do mundo, olhava para o teto, cantava músicas mentalmente, e me recordo com um pouco de peso na consciência que, naqueles longos trinta e poucos minutos, eu contei quantas vezes ele disse a palavra “entendeu” no final de suas frases. Contei as minhas pontas duplas e contei, também, quantos dias faltavam para acabar o ano.

Embora eu estivesse escutando tudo o que ele me dizia, o meu pensamento estava longe, e, durante aquela ligação, me comparei ao Júpiter Maçã e a todas as suas mudanças nada sutis. Ele mudou tanto ao longo dos anos que se tornou irreconhecível. Quando o vi em uma entrevista na MTV há uns dois anos, não acreditei que uma pessoa poderia mudar tão intensamente. O Júpiter Maçã dos anos 90 havia morrido, assim como a sintonia entre mim e meu namorado.

Ouvi-lo repetir que eu havia mudado me entristecia, mas naquele momento foi diferente, eu não podia ser a mesma, e não queria ser. Senti inveja, por alguns segundos, da coragem que Júpiter tinha de encarar as pessoas e mostrar que a gente pode mudar, sim, que a vida continua, e que nossos caminhos são tortos. Nós passamos por mil esquinas, e ser imutável diante de tudo que vivemos é impossível.

Acima de qualquer coisa, eu também me identificava, de uma forma inexplicável, com o que ele retratava em suas letras, porque, mesmo mostrando que era realizado e feliz em suas composições, ele deixava claro que, como todo mundo, também guardava angústias dentro de si. E eu acredito que a única coisa que fica de verdade é a angústia, porque todos carregam um pouco dela. Por mais que as mudanças nos renovem, aquela sensação de que nos falta algo a alcançar nunca some.

Depois de mergulhar nessas lembranças, fiquei tentando encontrar algo em mim que não havia mudado, e sabe o que encontrei? Continuo filosofando inutilidades, igual ao querido Júpiter Maçã. E só consigo concluir que o mundo vai mudando e se modernizando, e a gente continua com a mesma angústia pré-histórica aqui no peito. Acho que deveria gostar menos das noites frias; elas nos trazem de volta cada lembrança boba...

Sem título (Andressa Barbara)

06h30min, 06h35min, 06h40min.


Maldita soneca que me deixa dormir... 7h30min, tenho que estar no trabalho, cumprindo com minhas obrigações de boa funcionária. Ok, vamos lá... 20 minutos para me arrumar e sair. Levanto-me, tomo banho, escolho a roupa, maquiagem, cabelo, perfume e “partiu”. Saio num salto de casa, tranco a porta e me apresso para o ponto.

Um ônibus está vindo, começo andar mais rápido, apuro o passo e corro! Por pouco o motorista não para. Motorista novo, por sinal, educado, até respondeu meu bom dia ofegante.

Gente estranha, me acomodo num assento e.... Opa! Por um segundo, pego no sono. Ponto final, todos os passageiros devem desembarcar. “Não! Não posso descer aqui”, já me colocando para fora. Olho ao meu redor, suspiro, olho para o relógio: 7h35min, caramba!

Lugar no meio do nada, no qual nunca estive.

Bom dia, dia!

Além dos olhos de quem não pode ver (Elaine Stanquewicz da Luz)

O frio na barriga tomava conta ao olhar para baixo e ver todos aqueles detalhes que agora pareciam minúsculos. No horizonte, de cada ângulo, a visão surpreendente: de um lado, aquelas ondas pequenas em um mar gigante; do outro lado, montanhas e áreas preservadas inundavam aqueles 5 segundos mais demorados da vida de qualquer pessoa que passasse por aquela situação. Por ironia, o personagem desta história (assim o chamarei), não tinha o privilégio de poder ver toda essa grandiosidade da natureza.


Voltando ao tempo antes de toda a sensação já descrita: cerca de 20 pessoas em uma fila que parecia não andar. Era possível, até determinado ponto, acompanhar a subida dos que já estavam posicionados; para adiante, o sol cortava a visão. Os gritos, que se iniciavam nos primeiros segundos de descida, eram interrompidos quase que sem se sentir e novamente liberados após seu término. Como definir aqueles sentimentos que deviam estar aflorando em nosso personagem? Ansiedade, medo, angústia, vontade de passar por aquela mesma experiência?

Ao andar da fila, era possível imaginar a pulsação mais forte e a vontade de desistir cada vez maior daquela pessoa. Mas ao pensar que o arrependimento poderia ser maior, todos aqueles sentimentos ruins provavelmente se tornavam mínimos. Quando chegou nossa vez, iniciou-se uma subida que, aos olhos de quem vê, parece rápida, mas que aos olhos de quem não vê deve ser a mais demorada experiência. Ao parar, a 100m de altura, a partir de onde o momento da queda é imprevisível para o nosso personagem, imagino todos os pensamentos possíveis que ele deve ter tido. Queria ao menos a oportunidade de ter me sentado ao seu lado para ver as suas expressões.

Veio, então, a parte mais esperada de tudo aquilo. A queda. Os pés, que estavam pendurados, logo se contraíram; o grito, interrompido pela pressão. A superação de um medo e um exemplo para os demais de que as condições físicas não o impediriam de realizar seus desejos. Algo que para os demais parece simples, como um brinquedo chamado Big Tower, para este personagem tornou-se algo relativamente importante.

E, ao fim da queda, após aquele turbilhão de sensações e de maneira tão bem humorada, uma única frase:

- Puta que o pariu! Que sem graça, não vi nada!

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Minha primeira crônica (Fernando Zibarth de Morais)

Bar de esquina, 18h15 de uma quarta feira qualquer, eu estou sentado tomando uma gelada quando um homem com seus possíveis 60 anos chega. Já era conhecido do dono, e se cumprimentam dizendo:


- Ô, seu Orlindo, sempre pontual.

- Ô, Cleir, vê pra mim os dois dedinhos de sempre.

Enquanto é servido, seu Orlindo tira do bolso direito da calça um maço de Marlboro, pega um cigarro, a bebida e vai para o lado de fora; acende seu cigarro com fósforo e fica ali, parado, fumando e tomando o seu martelinho. Após três cigarros, finalmente acabam os dois dedinhos; ele volta, pega outro e segue na mesma rotina: cigarros e bebida, e eu já estou na terceira cerveja. O sujeito me olha e diz:

- Esse meu Paraná não tem jeito...

- É, tá difícil mesmo a situação, né ?

- Difícil? Difícil é “cortá” cana, o Parana é um caso perdido.

- É fase, logo vocês superam...

- Eu sou paranista desde o tempo do Ferroviário; naquele tempo, eu levava o meu cigarro e um rádio para o jogo...

Seu Orlindo para, esquece tudo o que dizia e sai; volta para a bancada do bar, pede mais uma rodada e vai para o lado de fora sem falar nada, olhando fixamente para uma direção. Fuma seus cigarros, toma seu “drink”, então retoma a conversa:

- Eu adoro esse boteco!

- Eu também gosto, acho ele coisa de macho. O senhor vem desde quando?

- Hahaha... Olha, meu amigo, eu conheço o Cleir há mais de 30 anos, desde que ele tinha o bar lá pra frente da Mate Leão. Agora que ele comprou esse daqui, eu tenho que vir de ônibus.

- Ah, mas então o Senhor gosta mesmo do bar?

Estou até agora esperando a resposta. Seu Orlindo repete o feito: para, esquece tudo o que dizia e sai, volta para a bancada do bar, pede mais uma e vai para o lado de fora sem falar nada, olhando fixamente para uma direção. Volta a fumar seus cigarros, tomar seu “drink”, então retoma a conversa:

- Sabe que eu bati o carro alguns anos atrás, perdi metade do fêmur, que é esse osso aqui do lado da perna. De vez em quando me dá uma dor, sabe? Acho que é a prótese.

- Às vezes a temperatura muda, daí da uma dorzinha..., né?

- Dorzinha? Poxa, é uma dor desgraçada.

- Mas o senhor veio de ônibus, vai voltar como, hoje?

- Agora já é tarde, vou de táxi.

- Onde o senhor mora?

- Lá no Bigorrilho.

Então, pensei: ir de taxi do Cabral para o Bigorrilho, uns R$20,00 no mínimo; olhei para o seu Orlindo, fiquei com pena. Já que eu estava indo para o Batel, um pequeno desvio para deixar o pobre homem em casa não me custaria nada.

- Ô, seu Orlindo, se o senhor quiser, posso te dar uma carona.

- Eu ficaria agradecido, de coração.

- Vou sair daqui uns 20 minutinhos.

- Vou tomar mais uma, então.

Como já era esperado, o homem pegou outra bebida, fumou seus cigarros e disse:

- Às ordens.

Virei o pouco de cerveja que restava em meu copo e levantei; entramos no carro e tivemos pequenas conversas rápidas durante o percurso. Dez minutos depois, chegamos à sua residência, uma casa grande, com um belo jardim, um chafariz e um carro importado na garagem. Seu Orlindo sai do carro sem dizer nada, dá a volta e para do meu lado da janela, já com um cigarro aceso.

- Obrigado pela carona, jovem.

- “Qué” isso, o senhor é gente boa.

- Toma meu cartão. Eu não trabalho mais, mas ainda tenho sócios; o que você precisar, pode me ligar que eu te ajudo.

Peguei o cartão e fiquei espantado: aquele velho maltrapilho fedendo a cachaça e que me dava pena me entrega um cartão com os dizeres: “Orlindo Stanquewicz & Associados: Advocacia Tributária”.