sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Opala preto (Diego Sezino de Lima)

Trabalhando há mais de dois anos sem tirar férias, aproveito o fim de ano e consigo, finalmente, viajar. Penso: vou pegar minha esposa e ir visitar meus pais em Santa Catarina, São Francisco do Sul, descontrair e ir à praia me desconectar da selva de pedras.


Chego em casa esvaindo-me em alegria por todos os poros e digo para Renata, minha mulher:

– Amor, vamos para a praia amanhã!

– Como, Bruno? Você tem trabalho

– Tirei férias!

– Sério? Que bom, então vou arrumar as malas.

No outro dia, bem cedo, saímos e estava chovendo. Incrível como a bendita Lei de Murphy sempre aparece em horas boas, mas não ia deixar nada atrapalhar o meu primeiro dia livre do trabalho depois de tanto tempo, e lá fomos nós rumo à São Chico. Quando estávamos na estrada, já em SC, o maldito pneu furou, e lá fui eu “trabalhar” de novo. Quando estou quase terminando de trocá-lo, passa por nós um Opala todo negro. Até aí, nada de incomum, mas o que me chamou a atenção foi como o carro estava inteiro, todo conservado, parecia brilhar, até.

Terminei e voltamos ao nosso caminho; dirigi mais uma meia hora e meus olhos já pesavam, estava cansado depois desse momento à la mecânico. Resolvemos achar um lugar para dormir; achamos um hotelzinho muito simples, estacionei o carro e, quando estávamos saindo do estacionamento, apareceu um homem muito mal vestido, com barba comprida, cabelos brancos, aparentava ter uns 70 anos. Ele nos abordou e disse:

– Cuidado na rodovia, pois o carro preto escolhe alguns carros e os joga para fora da estrada, cuidado! – Saia, não temos dinheiro, desculpe – eu digo.

Penso: não vou dar dinheiro a um bêbado. Então, eu e Renata seguimos para o hotel, entramos e eu perguntei ao recepcionista (um rapaz novo, parecendo estar com 18 anos, mais ou menos): – Tu sabe quem é aquele mendigo que está na frente daqui?

– Senhor, é um morador aqui de perto. Quando eu era criança, eu e os garotos tínhamos medo dele. Dizem que ele perdeu toda a família em um acidente de carro, do qual ele foi o culpado por estar dirigindo bêbado.

Penso alto: “agora tudo se encaixa. Fiz certo de não dar dinheiro, mesmo, é um bêbado.” O rapaz nos que atendeu olha e dá risada; seguimos eu e Renata para o quarto dormir. O dia parecia que tinha sido mais longo do que quando trabalhava; devia ser o efeito da viagem.

No outro, dia bem cedo, acordamos e tomamos o café da manhã: uma comida bem simples, mas boa, lembrava a comida da minha mãe (uma comida caseira feita com carinho). Comemos e colocamos o pé na estrada novamente ao meio-dia. Depois de alguns minutos dirigindo, vejo um carro preto atrás da gente; olho de novo e parecia ser o mesmo Opala que tinha admirado ontem. Depois de mais de meia hora com aquele carro colado na gente, percebo que ele está cada vez mais perto, até quase encostar no meu para-choque quando, do nada, o tal carro resolve diminuir a velocidade e some na rodovia.

Ligo o rádio e começo a ouvir um programa de entrevistas que hà muito não ouvia pela correria do dia a dia. Distraio-me, não vejo a hora passar e, quando olho para o relógio, já são 2h30 da tarde e, como que por mágica, aparece no retrovisor o tal Opala de novo, porém, dessa vez, ele vinha em alta velocidade. Acelero meu humilde FIAT Palio para não deixá-lo passar, mas ele insiste em ficar cada vez mais perto. Quando já imagino que vamos bater, que ele vai acertar minha traseira, ele vira e passa por nós, eu olho cuidadosamente para o carro e, para minha surpresa, não havia NINGUÉM nele.

Me espanto e digo para Renata: – Você viu? Não havia ninguém naquele carro que nos passou!

– Claro que havia, amor, você que não prestou atenção! – Eu prestei sim e não havia. – Você deve estar cansado, deve ser isso! Vendo que não adiantaria discutir, desisto; entretanto, a partir daquele dia, eu, que era ateu e cético convicto e acreditava apenas na ciência, comecei a acreditar que existe algo a mais nesse mundo e que existe vida depois da morte, ou, pelo menos, o terror após a morte.

Um comentário:

  1. "Opala preto" reedita, num cenário sul-brasileiro, o ar dos filmes de suspense americanos de diversas épocas. Perseguidos por carros sem motoristas? Um tanto assustador. Como crônica, o desfecho vem mais rapidamente e fica bem mais aberto, mas a ideia do estilo é mesmo essa.

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