sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Ela e ele (Débora Utiyama)

¨Não vejo mais solução!¨, disse ele.


Ela, já cansada de insistir, aceitou e bateu a porta do carro. Saiu andando meio sem rumo, com sentimentos frustrantes, confusos e incertos. Em breve, ele não estará mais da cidade. “Será mais fácil viver sem ele”, pensou ela. Em uma semana, ele se mudará para bem longe.

Reviveu inúmeros momentos em sua cabeça. Mesmo desiludida, sem saber o que seria de amanhã, sem saber se valeria a pena, ela ainda acreditava. Decidiu dar-lhe um presente. Mas não era um presente qualquer, como uma camisa ou um livro, era algo extremamente pessoal, que só teria valor para eles dois. Saiu rumo a diversas casas de café a que já foram juntos e outros aos quais ela gostaria de levá-lo. Quando estavam juntos, seus encontros casuais ou após almoços sempre acabavam em algum café. Ela decidiu lhe dar um conjunto de diferentes grãos e xícaras ou canecas desses lugares. Seriam itens para a casa nova, onde ela, mesmo não estando junto, se faria presente de outra forma.

Foi uma tarde incrível, única, uma miscelânea de sentimentos. Em um minuto, seus olhos se enchiam de lágrimas; no outro ,ela sentia os cantos da boca se mexendo, numa vontade imperceptível e incontrolada de sorrir. Mesmo em tamanho desconforto, ela encontrou paz em suas lembranças e ainda conseguia sorrir. Foi o que lhe deu forças para continuar caminhando atrás dos mais diferentes grãos. Mesmo o foco sendo os cafés, ela se deparou com outros lugares que poderiam agregar grande valor emocional ao seu presente. Coisas pequenas, simples, mas que para eles teriam um valor imensurável.

Já era noite. Ela, cansada de carregar quilos de cafés e diversas canecas, ainda precisava de um embrulho à altura para tamanho presente. Comprou uma caixa enorme e foi para casa, radiante. Ela sentia uma euforia imensa de pensar na reação que ele teria ao receber seu presente. Então, começou a montá-lo. Colocou para tocar uma banda que ouviram juntos muitas vezes. Ao som de Los Hermanos, ela começou a fazer o arranjo, com todo o cuidado para deixar tudo perfeito, para achar um lugar para cada saco de grãos, para cada pires de uma xícara. Ela teve a atenção de colocar bilhetinhos em cada item, explicando o porquê de cada um, sempre fazendo uma alusão a momentos que tiveram juntos. Enfim, ela terminou, estava tudo em seu lugar, perfeitamente montado, com os mínimos detalhes.

Ao terminar, ela precisava lhe entregar o presente naquele mesmo dia. Conseguiu convencê-lo a ir até lá. Ele chegou, se cumprimentaram normalmente, como sempre faziam. Conversaram um pouco e ela explicou o porquê de tê-lo chamado até lá. Ao buscar a caixa, ela sentia seu coração batendo mais forte, sua boca ficou mais seca.

Ele se surpreendeu ao ver o tamanho do presente; seus olhinhos brilharam, como os olhos de uma criança. Ele abriu o presente com todo o cuidado, como se estivesse com medo, sem ter a mínima ideia de o que o esperava ali dentro. Ao abrir, se surpreendeu mais uma vez. Ficou sem palavras. Começou pelo pequeno pacotinho que encontrou dentro de uma xícara, era um dos itens que só os dois entenderiam. Ele agradeceu, emocionado, e a beijou. Ao beijá-lo, ela se sentiu realizada e, mais uma vez, seus olhos se encheram de lágrimas, lágrimas de emoção, felicidade e incertezas. Ela preferiu não pensar no amanhã e aproveitou, o quanto pôde, aquele momento sublime.

Um comentário:

  1. "Ela e ele", de Débora Utiyama, tem uma doçura de tema e resolução e é ao mesmo tempo tão feminino e universal que lembra a forma de abordar de Clarice Lispector. Há um talento muito grande desabrochando nesse texto, que nos atrai por seu desenvolvimento muito pessoal / coletivo.

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