sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Sem título (Bruna Simões)

Eu estava feliz porque tinha feito frio naquela noite, eu sempre admirei o vento gelado e o quanto as pessoas ficavam mais bonitas no inverno. Deitei-me na cama ouvindo a voz do admirável Júpiter Maçã; trechos da música “Não sei” me lembravam o meu antigo namoro conturbado.


Vieram a minha cabeça memórias da última vez que nos falamos ao telefone, quando, no final de uma longa conversa, ele começou a descrever as minhas mudanças. Falava tanto que eu me sentia a pessoa mais entediada do mundo, olhava para o teto, cantava músicas mentalmente, e me recordo com um pouco de peso na consciência que, naqueles longos trinta e poucos minutos, eu contei quantas vezes ele disse a palavra “entendeu” no final de suas frases. Contei as minhas pontas duplas e contei, também, quantos dias faltavam para acabar o ano.

Embora eu estivesse escutando tudo o que ele me dizia, o meu pensamento estava longe, e, durante aquela ligação, me comparei ao Júpiter Maçã e a todas as suas mudanças nada sutis. Ele mudou tanto ao longo dos anos que se tornou irreconhecível. Quando o vi em uma entrevista na MTV há uns dois anos, não acreditei que uma pessoa poderia mudar tão intensamente. O Júpiter Maçã dos anos 90 havia morrido, assim como a sintonia entre mim e meu namorado.

Ouvi-lo repetir que eu havia mudado me entristecia, mas naquele momento foi diferente, eu não podia ser a mesma, e não queria ser. Senti inveja, por alguns segundos, da coragem que Júpiter tinha de encarar as pessoas e mostrar que a gente pode mudar, sim, que a vida continua, e que nossos caminhos são tortos. Nós passamos por mil esquinas, e ser imutável diante de tudo que vivemos é impossível.

Acima de qualquer coisa, eu também me identificava, de uma forma inexplicável, com o que ele retratava em suas letras, porque, mesmo mostrando que era realizado e feliz em suas composições, ele deixava claro que, como todo mundo, também guardava angústias dentro de si. E eu acredito que a única coisa que fica de verdade é a angústia, porque todos carregam um pouco dela. Por mais que as mudanças nos renovem, aquela sensação de que nos falta algo a alcançar nunca some.

Depois de mergulhar nessas lembranças, fiquei tentando encontrar algo em mim que não havia mudado, e sabe o que encontrei? Continuo filosofando inutilidades, igual ao querido Júpiter Maçã. E só consigo concluir que o mundo vai mudando e se modernizando, e a gente continua com a mesma angústia pré-histórica aqui no peito. Acho que deveria gostar menos das noites frias; elas nos trazem de volta cada lembrança boba...

Um comentário:

  1. Bruna é uma jovem com espírito mais velho que o corpo, hehehe. Não só pela maturidade de abordar as transformações pelas quais inevitavelmente passamos, mas por construir a reflexão usando, paralelamente, um artista querido a um público que, etariamente, não é o dela. E, ainda assim, o faz de modo altamente coerente e interessante. Uma leitura também muito boa.

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