sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Sem título (Lucas Milan Francio)


Tudo começou com uma pequena viagem para Verona, onde, junto com minha noiva, fomos desfrutar o verão italiano. Eu sou chefe de cozinha e, na época, estava prestes a abrir meu próprio bistrô em Nova York, e ela, uma jornalista do Wall Street. Tínhamos interesses diferentes e, para não cairmos na rotina, resolvemos fazer uma espécie de lua de mel antes da lua de mel, deixando de lado o trabalho e nos dedicando um ao outro.

Chegando a Verona, fomos a vários restaurantes. É completamente impossível estar na Itália e não ir à maior quantidade de restaurantes, cafés e bistrôs que se possa encontrar. Emma não tem muito interesse na minha área, parecia estar entediada com nossas visitas a esses lugares fabulosos. Mesmo percebendo isso, fui egoísta e só pensei em satisfazer minhas vontades.

Em uma caminhada, minha noiva encontrou o que tanto desejava: uma boa matéria para sua promoção no jornal. As secretárias de Julieta, mulheres que recolhem e respondem todos os dias as cartas deixadas na parede de uma casa, onde aconteceu o famoso romance de Shakespeare, supostamente para serem entregues à verdadeira Julieta.

Emma ficou fascinada e se ofereceu para ajudar as secretárias a responderem as cartas e retratar tudo em seu novo artigo para o jornal. Já eu achei um ótimo programa que iria me ajudar no meu bistrô, um maravilhoso leilão de vinhos que estava acontecendo a umas 100 milhas dali, e era completamente restrito.
As garrafas saíram diretamente da adega dos Château Cheval Blanc e Yquem, e incluíam safras famosas, como a de 1947 e 2000. Eu estava ansioso para começar a levantar minha placa, cujo número era 36, e conseguir ótimos vinhos para minha adega.

Voltando para encontrar minha noiva, Emma, entro na casa das secretárias de Julieta e me deparo com a chefe de cozinha, que controla um restaurante na casa, e me convida para preparar um maravilhoso talharim, cuja receita deve existir há uns 100 anos. Não poderia perder aquela oportunidade; era mais uma receita única, a qual poderia levar para NY.

A cada dia surgiam novas oportunidades que fariam com que eu crescesse dentro da minha área. Mas, conforme aquela semana passava, fui percebendo que, embora estivéssemos na mesma cidade, estávamos fazendo o que sempre costumávamos fazer: deixar nosso relacionamento de lado e nos dedicarmos a nossos próprios interesses.

Quando a encontrava, estávamos sempre cobertos de novidades, mas, ao mesmo tempo em que eu gostaria de contar tudo, não tinha vontade de contar nada, pois sabia que ela não me compreenderia. Comecei a perceber que nosso relacionamento não era mais o mesmo, mas não sabia exatamente o porquê. Pensei que era questão apenas de interesses, digo, ela não parava de pensar no seu artig e não se importava com as minhas novas experiências no mundo gastronômico da Itália.

 Mais uns dois dias se passaram e voltamos para Nova York. Eu a sentia mais distante do que nunca. Viajamos com a intenção de nos aproximarmos e acabamos voltando mais distantes. Emma não sorria como antes e, quando me olhava, eu sentia que não a estava fazendo feliz.

Não demorou até termos uma conversa, a qual ocorreu na minha nova cozinha. Ela chegou e se foi, junto com todos os planos que fizemos juntos, disse que partiria para Verona. Eu a deixei ir, com o coração na mão, mas sem arrependimentos.

Já se passaram alguns anos, e hoje meu bistrô é um dos mais reconhecidos em NY. Cheguei aonde queria, mas precisei abrir mão de um grande amor. Dediquei-me somente a meu trabalho, achei que isso seria a minha felicidade, mas talvez a felicidade não seja apenas isso, pois ainda cozinho pensando nela.

Um comentário:

  1. Lucas Milan trabalha uma crônica existencialista com a naturalidade e "crueza" próprias de quem poderia mesmo ter vivido as situações relatadas. Um texto que "pega" exatamente por isso.

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