sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Um grito de silêncio (Débora Thaise Collet Pereira)

Nada mais se pôde ouvir, foi o último som, um pedido de socorro, uma ação de puro desespero, um ato quase que sem pensar, uma reação forte e, ao mesmo tempo, desesperada; um grito que ecoa até hoje em meus pensamentos, mais agudo do que se pode imaginar, um pedido de socorro tão forte que todos puderam ouvir, mas ao qual ninguém quis dar amparo.

Por medo ou por constrangimento, não se sabe bem ao certo, todos ouviram, sabiam bem o que aquele som representava, sentiram um apelo desesperado suplicando por ajuda, mas mesmo assim quiseram sufocar a voz, transformando o grito em um pranto tão baixinho que foi ficando longe e distante até se tornar um sussurro tão tímido que não mais se ouvia.

Afastaram o grito; continuavam ali, todos no mesmo caminho, aguardando ansiosos para que a próxima parada fosse a sua, pois assim estariam bem longe da sensação de desconforto, e retomariam suas vidas ignorando os fatos. Agora estavam mais afastados da vitima, que se continha em prantos tímodos que mal se podiam ouvir se contentara em sussurrar. Afinal, ninguém quis ajudar. Sentou-se e calou-se novamente para não mais incomodar, como se ela tivesse culpa do que aconteceu. Logo passou de pessoa comum a vilã, por atrapalhar o sossego dos que se preocupavam com suas próprias vidas e pertences.

E para não ser injusta, admito que alguns poucos até queriam ajudar, mas era melhor se afastar, pois se sentiam desconfortáveis com tudo aquilo, queriam mesmo era fazer seus percursos rotineiros, e aquele grito desesperado lançado os moveu pelo medo. Ainda assim, reprimiram o desejo de ajudar e deram de ombros para não mais se incomodar.

E a moça permaneceu ali, em prantos, suplicando por ajuda, mas ninguém quis ajudar. Seus pertences, de onde veio, onde nasceu, seus pais quem eram, onde morava, um pouco de sua história partiu junto com a bolsa que brutalmente lhe arrancaram. Gritou porque se sentiu desesperada, precisava de ajuda, mas levados pelas regras morais, pela ética e bom senso, ninguém correu atrás de bandidos, ninguém demonstrou estar inconformado, muito pelo contrário: se mostraram bem habituados com esse tipo de situação, e tiraram de letra. Olharam de canto e logo se voltaram para sua leitura, sua música, ou só olhavam pela janela como se nada tivesse acontecido. Logo a fizeram se calar, condenaram a vitima por atrapalhar a paz do ônibus, e a mocinha se tornou o bandido. Poderia até ser presa por gritar tão alto e atrapalhar aquelas pessoas.

Parece absurdo, mas não o é para aqueles que folheiam as páginas dos jornais com total naturalidade, ler sobre mortes, assaltos, roubos, jovens sem ideal algum que roubam, matam por matar, mas para o bem de todos o natural é se acostumar, se proteger como se pode, torcer para que nada nos aconteça e, se nada nos afetar, tudo bem. Afinal, atrever-se a se preocupar e questionar esse mundo onde bandidos acabam vistos como vítimas do sistema que merecem respeito e proteção, ainda que derrubem helicópteros e causem mais prejuízos e incômodos do que se pode esperar.

As cadeias já estão lotadas, mesmo, as autoridades nada podem fazer, as olimpíadas estão chegando e infelizmente mais um preso só aumenta estatística, e nada contribui para o nosso país. Bom mesmo é fazer uma prece, torcer para não sermos atingidos e, se algo acontecer, é bom só lamentar, pois já se sabe que, se gritarmos ninguém, vai nos ajudar!

Um comentário:

  1. Ainda que tarde, posto meu comentário: o texto da Débora é uma foto muito bem acabada de uma verdade que presenciamos em Curitiba (e tantos outros lugares) todos os dias: momentos em que a soma de várias pessoas não as fazem mais fortes, mas sim mais indiferentes umas às outras.

    Complementa, de sua forma, o conteúdo do texto do Hendrigor que, curiosamente, também se passa em um ônibus. Grande sensibilidade.

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