sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Posso sentar aqui? (Rosane Cadena)


Ela não parava de se remexer na cadeira, queria poder chegar logo em seu apartamento e descansar, mas ainda faltavam algumas cidades para que o trajeto fosse concluído. Já tinha escutado música, lido, olhado pela janela e, mesmo sem vontade de ir ao banheiro, levantou-se duas vezes para poder sair do lugar. Sua poltrona ficava no meio do ônibus e era um lugar bom. Assim poderia ter uma visão de todas as pessoas, já que era muito curiosa e gostava de observar.

O ônibus tinha parado, e estava em mais uma rodoviária esperando os passageiros entrarem para chegarem à capital. Olhando pela janela, um moço lá fora chama sua atenção. Usava boné, não era alto, nem muito baixo, cabelos castanhos claros, camiseta verde, calças jeans e tênis, pareceu um pouco atraente. De repente, ele olha pra ela, ela disfarça. Mas o ato de disfarçar normamelnte falha, porque quando queremos que as pessoas não percebam, aí sim elas percebem. Ela ficou um pouco sem graça e tentou disfarçar mais ainda.

Ele entra no ônibus e os dois se olham. Realmente ele é muito bonito, ela não tem dúvidas. Por coincidência existe uma poltrona livre ao seu lado e ela pensa : " Será que ele vai sentar-se aqui?". Ele passa ao seu lado e a olha, ela finge não estar percebendo. "Ufa, ainda bem que ele não vai sentar aqui". Ele se dirige ao fundo, e ela coloca o fone de ouvido para escutar pela décima vez as mesmas músicas. Deita para tentar dar um cochilo, mas alguém fala com ela:

- Oi, posso sentar aqui?

- É claro.

Ela fica meio sem graça ao ver que é aquele moço; senta -se corretamente e finge estar normal, jogando no celular. Ele se senta com modos, fecha os olhos e escuta música também. Mas uma coisa chama a atenção: ele usa apenas um fone no ouvido, e o outro está caído em seus ombros. "Será que ele está querendo ouvir a conversa das pessoas? Mas está de olhos fechados... Será que está dormindo? Por que escutar música com um fone só? Será que está disfarçando? Ou estaria assim para poder escutar o que eu vou falar? Não! Quem disse que vou falar com ele?”

Ele se deita um pouco e abre os olhos; ela finge estar olhando outra coisa, mas quer olhá-lo outra vez. Ele também disfarça, mas impossível não perceber sua curiosidade em querer saber quem está ao seu lado; então, mais uma vez os dois se fitam. Ficam em silêncio, retomam suas posições. De vez em quando, ela abre a cortina do ônibus, e ele olha pra fora, bem indiscretamente, e ela faz isso mais vezes só para poder confirmar que encontrou alguém curioso como ela.

Os dois não conversam, então chegam à próxima rodoviária. Ele também parece estar entediado, mesmo estando há menos tempo que ela no ônibus. O veículo fica parado quase vinte minutos, e esses dois passageiros estão perdendo a paciência. Então, ele puxa assunto.

- Tem muita gente pra entrar ainda?

- Não tem ninguém mais.

Ficam uns minutinhos quietos e logo surge mais uma pergunta:

- Você está há muito tempo no ônibus?

- Estou há cinco horas, já.

- Nossa! Como está aguentando? Eu já estou desesperado estando aqui há uma hora, só.

- Pois é, tenho que ter paciência.

- Você está indo a São Paulo?

- Sim, e você?

- Também; eu faço curso para piloto de avião. Você faz faculdade?

- Faço, estou no primeiro ano de engenharia civil.

- Nossa, que legal! Você tá gostando de morar lá?

- Estou me acostumando... fazendo amizades.

Eles iniciaram a conversa assim, mas depois já estavam falando sobre muitas coisas e foram descobrindo afinidades; se deram tão bem que trocaram telefones e e-mails para um possível encontro depois. Desceram do ônibus, se despediram e cada um entrou em um táxi pensando se realmente seria possível fazer uma amizade em uma viagem. As pessoas se encontram e conversam muitas vezes só para passar o tempo, sem querer algo mais, não valorizando as palavras e os gestos. Mas mesmo após dez anos, esses dois conversam e gostam de lembrar da sua história, e ficam mais felizes ainda em saber que valeu a pena sentarem-se um ao lado do outro para se descontraírem e darem início a uma amizade.

7 comentários:

  1. Adorei o que escreveu,tens uma facilidade em "prender" o leitor!Parabéns,gostei mesmo!
    Sempre achei que os ônibus contribuem de alguma forma para os vínculos entre os homens...rsrs
    beijos!

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  2. É Maravilhosa a história.Quanto mais eu lia,mais curiosa ficava e mais envolvida.
    É incrível,mistura emoção e suspense o que torna a história muito real(ou ela é mesmo real).
    Todos os detalhes,fazem que o leitor ao ler sinta que estava presente naquelo momento.
    Parabéns,quando enviara a próxima?estou anciosa!
    Beijos!

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  3. Nossa Rô, bem legal sua história ... Gostei ... Deveria falar mais sobre esses seus textos, eu adoro ler, bom vc já sabe disso né, pelos milhares de livros que tenho ... mas então ... quero ver qual será o próximo texto .. gostei ... continue escrevendo .. escrever é maravilhoso, faz bem para a alma e o coração ... Parabéns !!!!

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  4. Rosane, simplesmente, SENSACIONAL!!!
    Parabéns pela crônica, mais uma vez você está demonstrando que é uma excelente "escritora".
    Continue assim e sempre que tiver novidades, contate-me.
    Beijos mil...

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  5. Rosane Cadena, mtoo bom, ótima crônica, mto envolvente, esses aspectos do cotiano prende mto a gente em qualquer história, que a gente meio q se identifica, mais fico mto bom, gostei mto. Certeza que vc vai se dar mto bem em jornalismo, me avise dos seus proximos textos, serei seu leitor fiel.
    asauhsauhsuahsuah
    bjO* saudades

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  6. O texto da Rosane traduz muito dela mesma, não sei se notaram. Para quem a conhece, aquela perspicácia, qualidade de observação combinada com suavidade e atenção para com as pessoas estão todas presentes como qualidades do texto dela também. Parabéns!

    Ah, só pra entregar: pra quem não soube, a modelo da foto é ela mesma, hehehe! =)

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  7. Eu fico feliz por terem gostado do meu texto, me dediquei muito para que ele pudesse ficar bom, mesmo não estando totalmente satisfeita ainda.Mas como diz o professor, ele nunca vai estar como queremos. E por incrível que pareça, eu tenho essa foto à muito tempo, e não teve momento melhor para usá-la como este.
    Um abraço e obrigada
    ;)

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