quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Sem título (Thiago Ricieri)

A parte mais emocionante de passar por uma confusão violenta é que não dá para confiar na previsão do comportamento dos outros. Raiva e inconformidade fazem aqueles que apenas pensavam falarem as suas idiotices.
A confusão por si só não tinha motivos. Ao que parece, um bandido tentou assaltar um estabelecimento de venda de refrigeradores na Brasílio Itiberê, a polícia foi chamada e agiu rápido, prendendo o gatuno uns cinco minutos antes de eu chegar à esquina. As pessoas ao redor, que me faziam companhia como observadores do evento, repetiam em uníssono: "Que que é isso?!"


- Que que é isso?! - eu falei.

Isso, depois da ação da polícia, é o que acontece quando algumas pessoas têm a oportunidade de descarregar a revolta da injustiça que percebem em suas vidas. O bandido, deitado no chão da calçada, de cócoras e queixo colado ao peito, protegia-se da agressividade gratuita dos comerciantes da loja de refrigeração e do açougue ao lado. Os golpes alternavam chutes e adjetivos. Eu já estava passando pela frente, diminuindo para a segunda marcha enquanto virava o pescoço para assistir à cena. O meliante tentava levantar-se, mas era logo devolvido a sua posição indefesa por aqueles que o cercavam.

A polícia cuidava para manobrar o carro na calçada e, quando o fizeram, um dos agentes da lei se aproximou do bandido, pegou em seu braço e o levou para a cabine do automóvel. Coloquei o carro na entrada do estacionamento, que por infeliz coincidência ficava ao lado do açougue e à frente de um departamento do governo. Saí do veículo a tempo de presenciar a segunda cena de violência daquela tarde.

Pelo que deu para entender, um dos motoboys que estavam do outro lado da rua começou a desafiar os policiais e os açougueiros, dizendo que eles não teriam coragem para insultar o bandido se ele não estivesse preso. A plenos pulmões ele bradava, com apoio de seus colegas, e nesse ponto não era somente a adrenalina do bandido que estava alterada. Os açougueiros compraram a provocação e o bate-boca chegou mais próximo do bate do que da boca.

Eu saí do carro para entregar a chave ao manobrista do estacionamento, o qual estava, como todos os demais, assistindo boquiaberto ao episódio daquele fim de tarde. Motoboys seguravam os capacetes com os braços erguidos na intenção de desferir golpes nos que se aproximavam. Chutes, socos, capacetadas, insultos recheavam a confusão e um dos motoboys acabou caindo ao chão, bem como antes caíra o ladrão. Os policiais entraram em cena para apartar a briga e socorrer aquele que fora pisoteado pelos açogueiros. Só o vi se levantando, com o semblante tingido de vermelho-sangue, respirando com dificuldade.

Eu, que de bobo não tenho nada, mantive uma distância segura disso tudo. Quando o problema parecia ter sido controlado, continuei com meu caminho. Pelo menos, meu carro não foi arranhado.

Um comentário:

  1. Thiago, tratar a hipocrisia em textos criativos nunca é demais, e você o fez muito bem. Aliás, a frase de fechamento do texto é de uma ironia fina, impagável. Parabéns.

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