quarta-feira, 18 de novembro de 2009

A última gota (Thiago Moraes Costa)

E a última gota de suor daquela sexta-feira escorreu de sua testa e logo foi secada pela mão com as unhas todas roídas.

Ana levantou-se do banco da praça e, apesar de desiludida com mais um dia esperando em vão, dirigiu-se para sua casa já planejando repetir a espera no dia seguinte.

Alguns quilômetros distante, Miguel descarregava o último engradado de cerveja em um bar. Dali, levaria o caminhão até a distribuidora de bebidas na qual trabalhava e de lá pegaria seu ônibus, provavelmente lotado, e chegaria em casa onde sua mãe, viúva, com quem ele dividia o pequeno apartamento, o aguardava com dois pedaços de pão e um copo de guaraná.

Há 4 anos, Miguel voltava de um aniversário quando foi atingido violentamente por um carro em alta velocidade. Sua paixão na época atendia pelo nome de Ana, que passava 4 dias por semana na capital a trabalho. Ela, que era casada com Alexandre, havia viajado no dia anterior para Londrina, onde vivia com o marido. Havia prometido a Miguel que pediria o divórcio e voltaria para ficar definitivamente com ele.

Por questões de segurança, um nunca passou seu endereço ao outro. Sempre se encontravam naquela mesma praça e se dirigiam a um motel barato e afastado, onde perdiam a noção do tempo, com seus corpos entrelaçados.

O futuro novo casal havia combinado se encontrar, um dia após o acidente que deixou Miguel na UTI por 3 meses, no banco da praça onde se conheceram. Naquela tarde, Ana não viu Miguel chegar. E ficou esperando.

Miguel recuperou-se sem seqüelas do acidente. Religioso que era, entendeu, contudo, que o atropelamento fora algum tipo de castigo divino por ter se envolvido com uma mulher casada. Foi aí que decidiu não procurá-la mais.

Ana, há 4 anos, vai todos os dias, por volta das 4 da tarde, até a mesma praça e espera... Espera. Senta naquele banco na esperança de que seu amor sumido apareça.

Hoje em dia, Miguel é casado com Lucinda, com quem tem 2 filhos. O mais velho se chama Jonas e tem 2 anos e meio. A mais nova, tem apenas 3 meses de idade e, curiosamente (ou não!), se chama Ana.

Ontem, quando mais uma vez ia embora da praça, Ana avistou Miguel, sorridente, ao lado da esposa e dos dois filhos.

Após 4 anos de angústia, sem saber o que havia acontecido a Miguel, ela finalmente o encontrara.

Hoje é um dia diferente para ela. Ela está esperando Miguel; 4:45 da tarde, sendo velada na Capela Nossa Senhora de Fátima... Preferia não ter sabido.

Um comentário:

  1. O estilo do texto do Thiago, assim como seu tema, ainda que não sejam inovadores não perdem em nenhum momento sua beleza estética. Primeiro pela imageria rica que ele constrói; segundo porque seu domínio vocabular é muito bom para o estilo e, terceiro, acima de tudo, porque o sentimento universal do abandono das coisas que mais nos significaram é algo que atrai as pessoas como um poderoso ímã. Parabéns novamente, Thiago, e não deixe de enviar seu outro texto para publicação também!

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