sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Sem título (Robson Dalazen Ignácio)

Sábado à tarde não havia o que fazer na cidade de Curitiba, o calor que havia dominado a cidade na semana anterior não era mais o mesmo, enfim a capital voltaria a ser como realmente é. Nem as pinturas pós-modernas do viaduto, nem o mural de Poty Lazarotto, nem a bandeira do Brasil que ali no alto dançava com suas cores vibrantes conseguia esconder as raízes cinzentas da capital. Aquelas nuvens sem vida, um vento frio e um mormaço quente, o clima e a ressaca que não me deixavam pensar em outra coisa senão beber algo bem gelado, me levaram ao pequeno ônibus azul claro, da cor daquelas nuvens que no céu já não estavam mais, onde se vendia caldo de cana.

O casal enrugado que ali trabalhava desde 1972 estava bem humorado, talvez por conta do vento que assustou as abelhas que sempre dificultam o trabalho do Sr. Renato. O “chorinho” foi maior que o comum e o sorriso de agradecimento de sua esposa, que estava no caixa, nunca fora tão sincero. Curitibano que sou, até me esqueci de comentar da companhia; estava com mais dois amigos, um futuro engenheiro e uma psicóloga. Todos os três apaixonados por cinema, não podíamos deixar o assunto de lado. Enquanto a gente não via, mas sabia que o sol se abaixava atrás das nuvens escuras ,discutíamos a sétima arte: eu defendia a nouvelle vague com todas as minhas forças enquanto os dois acreditavam firmemente que meu movimento predileto não chegava aos pés do expressionismo alemão.

Papo vai, papo vem e, assim como Vinícius de Moraes acreditava que o uísque é o melhor amigo do homem, o cachorro engarrafado, eu acredito na companhia relaxante de um cigarro, meu companheiro para todas as horas, que não discorda do meu gosto sobre cinema e, pelo contrário, concorda com tudo. Quando coloquei a mão no bolso para sacar o maço de cigarros, ele não estava lá. Lembrei-me de que não tinha mais e havia esquecido de comprar no caminho. Pedi aos meus colegas, mas um largou o vício e a outra estava na mesma situação que eu. Olhei para baixo e vi um morador de rua em cima de caixas de papelão, lendo o jornal de duas semanas atrás - o mesmo que usava como coberta nas noites mais curitibanas. Ele podia estar vivendo na rua, mas o vinho e os cigarros não lhe faltavam à mão. Sem pensar duas vezes, me dirigi para perto dele e pedi um. Confesso que a marca não era das melhores, acho que era pedir demais ao moço, mas ele me deu o cigarro e eu o agradeci pela gentileza. Quando o cigarro acabou, as luzes da cidade já brilhavam e eu precisava ir para casa me arrumar. A discussão sobre cinema não teve vencedores, o ônibus cor de céu se havia ido, já estava refrescado com o caldo de cana e pronto para outra, na companhia dessa vez dos caninos engarrafados de Vinicius. Afinal, era uma noite tipicamente curitibana e eu precisava me esquentar.

Um comentário:

  1. Como eu mesmo já dissera ao Robson, a imageria e o ritmo "nouvelle vague" que ele imprime ao texto o fazem ainda mais interessante e mais coerente. Seu talento é evidente. Parabéns.

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